domingo, 24 de junho de 2007

A dependência emocional (Ángela Sannuti)

Há dias em que vibramos e gozamos do encontro com as pessoas que nos rodeiam, mas há outros em que nos isolamos e vivemos assustados com o deserto que nos circunda e a incomunicação que nos afasta cada vez mais. Há dias em que nos sentimos felizes de criar em profunda solidão, e dias em que a alma e o coração se estremecem na mais fria desolação. Se reparamos ou não, a experiência humana, a experiência de cada um de nós, manifesta-se através destas contradições e paradoxos.

Talvez, uma das situações mais paradoxais de nossa existência possa ser sintetizada nesta singela pergunta: há alguém sobre esta terra que não queira ser livre? E por que a imensa maioria das pessoas, apesar desse anseio de liberdade, vive presa em diferentes tipos de prisão?

Grande parte dos problemas psicológicos e a infelicidade que estes acarretam constituem a expressão visível e manifesta de como se vive encarcerado emocionalmente. Muitos, nem sequer advertem que essas prisões costumam ser de fabricação própria e que o medo os impede de encontrar a chave para sair.

Viver é estar relacionado, a vida é relacionamento constante: vivemos nos outros e os outros também nos habitam.

As pessoas procuram na psicologia a resposta para estes grandes problemas da humanidade: os conflitos nos relacionamentos, a solidão, a liberdade, o amor. E que recebem como resposta?

O século XX foi marcado por grandes teorias e visões parciais que tentaram explicar fragmentos da alma humana. Não haverá algo mais que fragmentos e contradições em nosso ser?

A psicologia colaborou de maneira valiosa, ao abrir nossos olhos para a problemática especificamente humana, mas no meio de tantas teorias e escolas perdemos a visão essencial do que significa ser humano. Assim como através das gretas de um muro pode-se vislumbrar a luz que há por detrás; nós também, através de nossas próprias gretas, podemos aprender a descobrir e assumir nossa integridade e liberdade.

A cultura da dependência

A educação que recebemos e que as novas gerações continuam recebendo se baseia no conformismo, quase tudo o que se aprende se aceita verticalmente. É uma educação coletivizada que não promove o desenvolvimento da capacidade perceptiva, reflexiva, de pesquisa, sensitiva; fomenta-se a mera acumulação de conhecimentos afastados da realidade e de uma visão humana da vida.

Incentiva-se o ajustamento, a imitação de modelos externos e alheios, gerando uma concorrência baseada na comparação constante e nociva, em lugar de largar a natureza essencial de cada um e desenvolver o próprio potencial criativo.

Esta atitude de não questionamento do estabelecido, de aferrar-se a dogmas, crenças rígidas e estáveis, de depender sempre de algo ou de alguém, costuma ser a atitude que cada pessoa mantém, depois, ao longo de sua vida.

Uma sociedade baseada no conformismo e na padronização de condutas e pensamentos - basta observar esta tendência exacerbada na mídia; talvez como uma forma de controle-não pode produzir outro resultado que apatia, passividade, carência de paixão, esvaziamento emocional e espiritual.

Em nossa cultura as condutas imitativas predominam em vez das criativas; preferimos viver com verdades emprestadas em lugar de indagarmos na sabedoria que guardamos em nosso próprio interior.

Como seria uma nova educação? Que aconteceria se a família e o sistema educativo ajudassem a desenvolver e ampliar a consciência de um menino em vez de domesticá-la e anestesiá-la?

Desenvolver a flexibilidade da mente e o coração, a necessidade de se compreender e de compreender os outros, nutrir a solidez interior, respeitar a diversidade da vida em todas suas manifestações, entender os medos e os condicionamentos que embaçam nossa liberdade e autonomia, constituem o núcleo de um crescimento íntegro e não tão fragmentado.

Crescer é acordar para a vida e tornar-se uma pessoa autônoma. Viver despertos é a condição necessária para poder transformar uma educação e uma cultura que costumam marchar, muitas vezes, no sentido contrário do que é a saúde.

Colapsos de auto-estima

Uma autoconsciência sólida, saudável e estável se arraiga na autenticidade de nossos anseios, sentimentos e vivências; um forte sentido de identidade só pode apoiar-se no desenvolvimento emocional próprio. Descobrir, viver e assumir conscientemente nossa verdade pessoal –nossa identidade– é tão imprescindível que pagamos sua perda com penosas doenças e sofrimentos.

Como quase todos nós fomos educados em um modelo da dependência, ocasionalmente somos conscientes da armação na qual vivemos e de como continuamos recriando-a, de geração em geração, com exata precisão.

A dependência só gera medo e insegurança emocional, mergulhando o indivíduo numa luta permanente e extenuante por conseguir a aprovação dos demais; a fonte do sucesso sempre é externa e se termina confundindo admiração com amor.

No fundo, muitos adultos mesmo de idade avançada ou com grandes conquistas sociais, econômicas e intelectuais continuam sendo crianças e dependentes. Uma atitude infantil e submissa subjaz em inúmeras pessoas bem adaptadas à sociedade, de tal maneira só podem mostrar o que se espera e se deseja delas, omitindo ou menosprezando aspectos essenciais de seu ser. Também há outros que vivem sob a pressão de ter que demonstrar sua eficiência e o brilhantismo com que realizam tudo, dominados por um ânsia cega de reconhecimento e fama.

Colapsos de auto-estima estão à espreita destas pessoas e destacam a debilidade dos alicerces de um edifício feito de auto-enganos e ilusões. Estes colapsos são os que surgem nos diversos transtornos depressivos que tanto caracterizam a nossa sociedade atual.

Quanto mais debilitado estiver esse núcleo central da personalidade, mais frágil será a auto-estima e maior a necessidade de se apoiar em figuras, símbolos, gurus, grupos ou causas meramente externas.

Vínculos que atam

Nosso mundo está cheio de pessoas feridas em sua integridade, porque cresceram num contexto emocional cheio de descortesia, hipocrisia, severidade sem limites, desvalorização e desprezo.

Nenhum ser humano precisa alimentar-se de plantas venenosas, mas alguns fazem isso porque não conhecem outra coisa ou porque já se acostumaram, repetindo cegamente profundas impressões de desamor em seus comportamentos e em sua maneira de vincular-se como adultos.

O desamor – em qualquer uma de suas manifestações– está feito de ataduras e dependências; a desconfiança, os ciúmes e o afã de possuir e dominar constituem o alfabeto emocional desses vínculos que atam e que, como toda prisão, bloqueiam o crescimento e desenvolvimento pessoal.

Por que a maioria das pessoas resiste a uma verdadeira mudança e prefere a falsa segurança de uma relação, por mais infeliz ou difícil que seja, à busca de um espaço novo de satisfação e liberdade?

Há vínculos que parecem estar ancorados no tempo: tanto pais como filhos, irmãos e muitos casais vivem presos numa dependência infantil, ingênua e irresponsável, negando e mantendo sob controle inseguranças e medos muito profundos.

Toda relação que limita as ações, os sentimentos e pensamentos próprios termina sendo mera dependência, da qual surge invariavelmente um processo de auto-encerro e isolamento. A dependência é a negação da verdadeira relação.

Todos podem mudar sua vida e amadurecer. A maturidade psicológica outorga a confiança e a segurança necessárias para arriscar-se a tomar o destino nas próprias mãos e descobrir a possibilidade de amar por livre escolha.

O que é o amor?

Todos nós, em alguma medida, desejamos ser amados e também dar amor; mas geralmente o que parece ser amor com freqüência não é.

Em nossa cultura, um dos tantos conceitos falsos que os séculos nos incrustaram é a idéia de que dependência é amor.

Mas dependência não é amor, o afã de possuir e dominar não é amor, o medo não é amor. Amor implica vulnerabilidade – estar abertos em nossa sensibilidade– e implica comunhão. Como pode haver comunhão com outro quando há medo e desconfiança?

A maioria das pessoas querem, antes de mais nada, a segurança de amar e serem amados. A exigência de se sentirem seguros se torna mais importante do que o amor em si, isto mesmo constitui a raiz psicológica da dependência emocional.

As pessoas dependentes estão unicamente interessadas em seu próprio bem-estar; desejam preencher seu vazio interior à custa de outros, renunciaram a qualquer esforço por se transformarem e melhorarem como seres humanos; não tolerando também o risco e a solidão que implica crescer.

Quando se ama tem que haver liberdade, não só em relação a outra pessoa mas também em relação a si mesmo.

É necessário ver e enfrentar a carência de liberdade, os medos, as inseguranças, a desvalorização e todas as formas de dependência que adotamos em nossos vínculos.

Fomentar a autonomia dos demais é a manifestação mais decisiva do amor; mas só se nós mesmos formos seres autônomos é que poderemos travar vínculos plenamente desenvolvidos.

O amor é um estado do ser e, assim como a chuva elimina o pó das folhas das plantas, nós crescemos e evolucionamos através do rio da vida, conforme vamos nos despojando de tudo aquilo que não for verdadeiro amor.

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