domingo, 3 de junho de 2007

A cidadania está morta (Bruno Momesso Bertolo)

Observe a imagem ao lado (clique para ampliar). O “cidadão” (para não dizer inúmeros pejorativos, mas escolha aqueles que julgar melhor) revela profundo menosprezo ao próximo no momento em que “estacionou” (pois sequer preocupou-se em manobrar) sobre duas vagas. Se não bastasse, aludidas vagas eram destinadas aos portadores de necessidades especiais.

É deveras improvável que se trate de um portador de deficiências. Se porventura fosse, certamente não agiria assim, exatamente por conhecer os percalços da vida de um indivíduo portador de necessidades especiais. A deficiência que o proprietário da camionete possui é moral, contudo, não pode valer-se disso para ter regalias. Muito pelo contrário. Deveria ser severamente punido.

Eis um exemplo emblemático do maior problema que assola o Brasil: a ausência de cidadania. As ocorrências são, lamentavelmente, cada vez mais corriqueiras e integram um rol extenso: falta de educação no trânsito, desrespeito ao meio ambiente, alienação de toda espécie, fezes de cães nas calçadas, carrinhos de supermercados largados fora do local onde estavam, som alto de madrugada (principalmente em automóveis), pichações, depredação dos patrimônios públicos e privados, entre outros.

E o que é pior: tudo é tratado com a maior naturalidade. Se você aponta ou reclama, ainda é repreendido e/ou então ofendido pelo transgressor moral, que acredita, pasmem, estar dentro de seus direitos! Chega a ser surreal.

O que ocorre na cabeça de tais pessoas? Desconhecem ou ignoram valores como respeito, educação e cidadania? Não foram criadas dentro de tais preceitos ou tornaram-se assim durante a vida (que, ao que parece, nada lhes ensinou)? Para que ajam como civilidade será necessário haver a respectiva punição a quem não observar determinadas regras morais?

E alguns casos (arremessar lixo de veículo automotor, som alto, pichações, depredações, etc.) já são sancionados exatamente por isso. Ainda assim de nada adianta, especialmente em razão da conhecida impunidade que grassa no país. Diz-se que é possível medir o desenvolvimento de uma nação de acordo com o número de leis existentes: quanto mais leis, menos desenvolvida. Nem preciso dizer onde o Brasil se encaixa, né?

Diante do quadro supramencionado, não é de se admirar os casos de corrupção que inundam os noticiários e proliferam pelo Brasil. Reflexo da população. Tanto é assim que, em pesquisa realizada ano passado, 75% dos brasileiros entrevistados admitiram que seriam capazes de cometer alguma irregularidade em cargos públicos. Além de potencialmente corruptos, são hipócritas! Como alguém assim pode censurar os atos de improbidade administrativa? Mas o fazem...

Em uma conversa recente, uma amiga contou-me um exemplo absurdo. Ao visitar a escola em que estudou há aproximadamente 20 anos, percebeu que os lados internos dos muros estavam pichados, algo que estranhou, sendo que, ao perguntar o motivo das “obras de arte”, obteve como resposta: “Ah, para que os alunos não pichem por fora, decidimos autorizá-los a pichar por dentro”. Como é que é? Que valores estão cultivando nessa geração? Qual o lema utilizado? “Para que não faça algo errado, permitiremos que o faça”? Futuro tenebroso nos aguarda.

Longe de ser saudosista (mesmo porque sequer tenho idade para tanto), mas há 15 anos os valores eram outros. Havia, indubitavelmente, mais respeito, solidariedade e cidadania. Ao que tudo indica, o ser humano tem dificuldade em ao menos buscar o equilíbrio. Talvez por isso Aristóteles já vaticinava que “a virtude está no meio termo” (entre o excesso e a carência). Explico.

Antigamente (refiro-me à geração de 50), a educação era austera, impositiva e repressiva, de modo que os pais impunham suas vontades e aos filhos cabiam obedecer. Com o passar dos anos, muita coisa mudou e, espontaneamente, os pais das gerações subseqüentes (80, 90 e 2000) concederam aos filhos direitos que lhes foram cerceados e/ou negados. Perfeitamente compreensível e normal.

Todavia, há um problema: muitos genitores resolveram conferir todos os direitos e, em contrapartida, escassos deveres. Vivemos sob o “slogan” do “é proibido proibir”. A maioria dos pais não impõe limites, alguns atendem a todos os anseios dos filhos e outros são até mesmo submissos a eles. Adotou-se o outro extremo, qual seja, o da liberdade incondicional. Tudo é justificado com fundamento no mote “são jovens e têm que aproveitar”. Criam-se os monstros e, quando algo ruim ocorre, ainda soltam a célebre pérola: “Onde foi que errei?”. Tenha dó!

O resultado está aí! Uma sociedade desregrada, individualista e desprovida de cidadania. Só nos resta esperar que haja o resgate do que é necessário para modificar nefasta situação. Depende de nós...

"Se você agir sempre com dignidade, talvez não consiga mudar o mundo, mas será um canalha a menos". John F. Kennedy

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