domingo, 31 de agosto de 2008

Amigos (Vinícius de Moraes)

Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos. Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles. A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor, eis que permite que o objeto dela se divida em outros afetos, enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade. E eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!

Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha vida depende de suas existências. A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem. Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida.

Mas, porque não os procuro com assiduidade, não posso lhes dizer o quanto gosto deles. Eles não iriam acreditar. Muitos deles estão lendo esta crônica e não sabem que estão incluídos na sagrada relação de meus amigos.

Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e não os procure. E às vezes, quando os procuro, noto que eles não têm noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construí e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida.

Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado. Se todos eles morrerem, eu desabo! Por isso é que, sem que eles saibam, eu rezo pela vida deles. E me envergonho, porque essa minha prece é, em síntese, dirigida ao meu bem estar. Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo. Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles.

Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele prazer… Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos, e, principalmente os que só desconfiam ou talvez nunca vão saber que são meus amigos!

A gente não faz amigos, reconhece-os.

domingo, 24 de agosto de 2008

O deus mercado (Remo Bastos)

Desde o desmoronamento das economias planificadas do leste europeu e da União Soviética em 1991, a economia mundial enfrenta uma aceleração galopante no processo de abertura dos mercados nacionais de países periféricos, o qual objetiva possibilitar às transnacionais “fincarem sua estaca” nesses mercados, e a partir de “nações-chave” poderem “tomar de assalto” o mercado de cada sub-região que lhes interessar no planeta, alastrando a falência de pequenas empresas nacionais por todo o perímetro atingido pelo ataque e semeando o desemprego, a desestabilização social e a destruição da incipiente base econômica desses países.

Não é difícil compreender como se processa a investida: Os países desenvolvidos, por apresentarem uma capacidade tecnológica algumas dezenas de vezes superior à dos países periféricos (o que, por sua vez leva, obviamente, a uma maior produtividade e a um menor preço unitário por produto fabricado), ao conseguirem (via pressão diplomática ou outros artifícios menos nobres) a abertura indiscriminada dos mercados de países subdesenvolvidos, conseguem desencalhar o excesso de produtos que a exacerbada concorrência entre seus pares (países ricos) impede que sejam absorvidos inteiramente no hemisfério norte. Por esta entrada de produtos oriundos do Norte nos mercados periféricos se processar com uma inelutável vantagem competitiva para as transnacionais em relação às empresas nacionais que fabricam os mesmos produtos, estas são simplesmente esmagadas pelas transnacionais, se o governo local não as proteger com alguma tarifa de importação (ou outro mecanismo qualquer, os quais são bastante conhecidos dos países ricos, que os utilizam sistematicamente para impedir a entrada em seus mercados de produtos oriundos de países do Terceiro Mundo).

Não nos esqueçamos que a abertura sem critérios dos mercados desses países é imposta pelos organismos financeiros multilaterais (Banco Mundial, BID ou FMI, etc) como condição para novos empréstimos ou refinanciamento de sua dívida externa. Ou seja, o país periférico não tem alternativa soberana caso fraqueje, permanecendo submisso à banca internacional. Logo todo seu mercado interno estará completamente infestado pelas transnacionais, e a nação terá abdicado de gerir políticas de desenvolvimento nacional pela absoluta falta de possibilidade de controle macroeconômico, já que o centro decisório da maioria dos agentes econômicos se encontrará fora de suas fronteiras.

A concentração de poder nas mãos das transnacionais, oligopólios que controlam os principais mercados do mundo, impressiona pela descomunal abrangência: sabe-se, por exemplo, que apenas dez empresas controlam mais de setenta por cento da produção de computadores, outras dez controlam mais de oitenta por cento da indústria automobilística, somente sete empresas produzem mais de noventa por cento de todo o material de saúde vendido no mundo, e apenas oito empresas dominam mais de setenta por cento do setor petroquímico em todo o mundo. Outro dado aterrorizador consiste em que dos cento e noventa e quatro países pelo menos “formalmente” soberanos, cento e oitenta deles (quase noventa e três por cento, portanto) possuem um PIB inferior à movimentação financeira da General Motors, da Ford ou da Exxon.

Óbvio que de livre o mercado mundial não tem nada. Aliás, conforme assinalei anteriormente, a liberdade de mercado é imposta somente aos países periféricos, com vistas a se implementar o “mercado persa” das transnacionais em todo o hemisfério Sul, ou seja, a ingênua crença de que o comércio internacional irrestrito permitiria aos países mais pobres alcançar o mesmo progresso dos países ricos vai tanto contra a experiência histórica quanto contra o bom senso, e a geração de desigualdades tão crescentes ocasionará grandes encrencas futuras.

O mercado, essa instituição mitológica que, segundo a escola clássica da economia, “requentada” agora pelo neoliberalismo, resolveria plenamente todos os problemas econômicos da humanidade através de sua “mão invisível”, infelizmente na vida real funciona tal qual a “justiça cega” que impera em muitos países, que “abre um minúsculo furo na venda para ver quem lhe interessa beneficiar". Exatamente por conta deste incontornável apanágio, que lhe é absolutamente congênito e indissociável, sociedade alguma pode sobreviver completamente desprotegida deste injusto e egoísta mecanismo. Ele não é um “deus justo”, e peca por concentrar riquezas em apenas um pólo e, no fundo sabemos, todas as tentativas de lhe por freios sob um sistema capitalista mostram-se meros paliativos que em nada atingem a raiz da questão fundamental.

Assim, a situação de dificuldade econômica e social de mais de dois terços da humanidade, causada pelo egoísmo e a falta de capacidade inata do mercado, enquanto ferramenta essencialmente capitalista, de atendê-los, fala por si só. A exacerbação neoliberal, a serviço da globalização do capitalismo financeiro, tem provocado, nos países periféricos, a destruição das economias locais, as quais antes tinham pelo menos a capacidade de sustentar seus habitantes dignamente. Portanto, que fique bem claro e patente: o Estado é indispensável à preservação do equilíbrio de forças em qualquer sociedade, representando o interesse público. Tal constatação não contradiz a existência do mercado, contudo o submete às necessidades e aos interesses da sociedade como um todo, e não aos interesses de uma dúzia de grupos econômicos transnacionais.

Lamente-se a apatia da sociedade em reconhecer este ludibrio da qual é vítima, pois a luta por saúde e educação pública de qualidade, por exemplo, deixaram inexplicavelmente de ser empreendidas com vigor por quase todas as organizações sociais deste país. Este comportamento pusilânime da sociedade custará caro não somente para a geração atual, mas principalmente para as que virão.

domingo, 17 de agosto de 2008

Segurança (Luis Fernando Veríssimo)

O ponto de venda mais forte do condomínio era a sua segurança.
Havia as belas casas, os jardins, os playgrounds, as piscinas, mas havia, acima de tudo, segurança.
Toda a área era cercada por um muro alto. Havia um portão principal com muitos guardas que controlavam tudo por um circuito fechado de TV Só entravam no condomínio os proprietários e visitantes devidamente identificados e crachados.

Mas os assaltos começaram assim mesmo. Ladrões pulavam os muros e assaltavam as casas.
Os condôminos decidiram colocar torres com guardas ao longo do muro alto.
Nos quatro lados. As inspeções tornaram-se mais rigorosas no portão de entrada. Agora não só os visitantes eram obrigados a usar crachá.
Os proprietários e seus familiares também. Não passava ninguém pelo portão sem se identificar para a guarda. Nem as babás. Nem os bebês.

Mas os assaltos continuaram.
Decidiram eletrificar os muros.
Houve protestos, mas no fim todos concordaram. O mais importante era a segurança. Quem tocasse no fio de alta tensão em cima do muro morreria eletrocutado. Se não morresse, atrairia para o local um batalhão de guardas com ordens de atirar para matar.

Mas os assaltos continuaram.
Grades nas janelas de todas as casas. Era o jeito. Mesmo se os ladrões ultrapassassem os altos muros, e o fio de alta tensão, e as patrulhas, e os cachorros, e a segunda cerca, de arame farpado, erguida dentro do perímetro, não conseguiriam entrar nas casas.
Todas as janelas foram engradadas.

Mas os assaltos continuaram.
Foi feito um apelo para que as pessoas saíssem de casa o mínimo possível.
Dois assaltantes tinham entrado no condomínio no banco de trás do carro de um proprietário, com um revólver apontado para a sua nuca. Assaltaram a casa, depois saíram no carro roubado, com crachás roubados. Além do controle das entradas, passou a ser feito um rigoroso controle das saídas.
Para sair, só com um exame demorado do crachá e com autorização expressa da guarda, que não queria conversa nem aceitava suborno.

Mas os assaltos continuaram.
Foi reforçada a guarda. Construíram uma terceira cerca. As famílias de mais posses, com mais coisas para serem roubadas, mudaram-se para uma chamada área de segurança máxima. E foi tomada uma medida extrema.
Ninguém pode entrar no condomínio. Ninguém. Visitas, só num local predeterminado pela guarda, sob sua severa vigilância e por curtos períodos.
E ninguém pode sair.

Agora, a segurança é completa.
Não tem havido mais assaltos.
Ninguém precisa temer pelo seu patrimônio. Os ladrões que passam pela calçada só conseguem espiar através do grande portão de ferro e talvez avistar um ou outro condômino agarrado às grades da sua casa, olhando melancolicamente para a rua.

Mas surgiu outro problema.
As tentativas de fuga. E há motins constantes de condôminos que tentam de qualquer maneira atingir a liberdade.
A guarda tem sido obrigada a agir com energia.

domingo, 10 de agosto de 2008

Elegância (Toulouse Lautrec)

Existe uma coisa difícil de ser ensinada e que, talvez por isso, esteja cada vez mais rara: a elegância do comportamento. É um dom que vai muito além do uso correto dos talheres e que abrange bem mais do que dizer um simples obrigado diante de uma gentileza.

É a elegância que nos acompanha da primeira hora da manhã até a hora de dormir e que se manifesta nas situações mais prosaicas, quando não há festa alguma nem fotógrafos por perto. É uma elegância desobrigada.

É possível detectá-la nas pessoas que elogiam mais do que criticam. Nas pessoas que escutam mais do que falam. E quando falam, passam longe da fofoca, das pequenas maldades ampliadas no boca a boca.

É possível detectá-la nas pessoas que não usam um tom superior de voz ao se dirigir a frentistas.

Nas pessoas que evitam assuntos constrangedores porque não sentem prazer em humilhar os outros.

É possível detectá-la em pessoas pontuais.

Elegante é quem demonstra interesse por assuntos que desconhece, é quem presenteia fora das datas festivas, é quem cumpre o que promete e, ao receber uma ligação, não recomenda à secretária que pergunte antes quem está falando e só depois manda dizer se está ou não está.

Oferecer flores é sempre elegante.

É elegante não ficar espaçoso demais.

É elegante você fazer algo por alguém, e este alguém jamais saber o que você teve que se arrebentar para fazê-lo.

É elegante não mudar seu estilo apenas para se adaptar ao outro.

É muito elegante não falar de dinheiro em bate-papos informais.

É elegante retribuir carinho e solidariedade.

É elegante o silêncio, diante de uma rejeição.

Sobrenome, jóias e nariz empinado não substituem a elegância do gesto. Não há livro que ensine alguém a ter uma visão generosa do mundo, a estar nele de uma forma não arrogante.

É elegante a gentileza; atitudes gentis falam mais que mil imagens.

Abrir a porta para alguém é muito elegante.

Dar o lugar para alguém sentar é muito elegante.

Sorrir, sempre é muito elegante e faz um bem danado para a alma.

Oferecer ajuda é muito elegante.

Olhar nos olhos ao conversar é essencialmente elegante.

Pode-se tentar capturar esta delicadeza natural pela observação, mas tentar imitá-la é improdutivo. A saída é desenvolver em si mesmo a arte de conviver, que independe de status social: é só pedir licencinha para o nosso lado brucutu, que acha que "com amigo não tem que ter estas frescuras". Se os amigos não merecem certa cordialidade, os inimigos é que não irão desfrutá-la.

Educação enferruja por falta de uso.
E, detalhe: não é frescura.

domingo, 3 de agosto de 2008

Vencedores e derrotados (Autor desconhecido)

Quando um VENCEDOR comete um erro, diz: “Enganei-me“, e aprende a lição.
Quando um DERROTADO comete um erro, diz: “A culpa não foi minha“, e responsabiliza terceiros.

Um VENCEDOR sabe que a adversidade é o melhor dos mestres.
Um DERROTADO sente-se vítima perante uma adversidade.

Um VENCEDOR sabe que o resultado das coisas depende de si.
Um DERRROTADO acha-se perseguido pelo azar.

Um VENCEDOR trabalha muito e arranja sempre tempo para si próprio.
Um DERROTADO está sempre "muito ocupado" e não tem tempo sequer para sua família.

Um VENCEDOR enfrenta os desafios um a um.
Um DERROTADO contorna os desafios e nem se atreve a enfrentá-los.

Um VENCEDOR compromete-se, dá a sua palavra e cumpre.
Um DERROTADO faz promessas, não se esforça e quando falha só sabe se justificar.

Um VENCEDOR diz: "Sou bom, mas vou ser melhor ainda".
Um DERROTADO diz: "Não sou tão mau assim; há muitos piores que eu".

Um VENCEDOR ouve, compreende e responde.
Um DERROTADO não espera que chegue a sua vez de falar.

Um VENCEDOR respeita os que sabem mais e procura aprender algo com eles.
Um DERROTADO resiste a todos os que sabem mais e apenas se fixa nos defeitos deles.

Um VENCEDOR sente-se responsável por algo mais que o seu trabalho.
Um DERROTADO não se compromete nunca e diz sempre: “Faço o meu trabalho e é quanto basta”.

Um VENCEDOR diz: “Deve haver uma melhor forma de fazer isso...”.
Um DERROTADO diz: “Sempre fizemos assim. Não há outra maneira.”.

Um VENCEDOR é PARTE DA SOLUÇÃO.
Um DERROTADO é PARTE DO PROBLEMA.