domingo, 29 de julho de 2007

Custo do Congresso Brasileiro (Transparência Brasil)

O Congresso brasileiro é o mais caro por habitante, segundo levantamento da Transparência Brasil sobre os Orçamentos do Legislativo federal em 11 outros países. Apenas o Congresso dos Estados Unidos é mais caro que o brasileiro, mas ainda assim pesa menos no bolso de cada cidadão do país.


A pesquisa da Transparência Brasil comparou o orçamento do Congresso brasileiro com os da Alemanha, Argentina, Canadá, Chile, Espanha, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália, México e Portugal.


Em 2007, o Brasil destinou para a manutenção do mandato de cada um de seus 594 parlamentares federais quase quatro vezes a média do gasto dos parlamentos europeus e do canadense. Pelos padrões europeus de gasto parlamentar, o orçamento do Congresso brasileiro – equivalente a R$ 11.545,04 por minuto – poderia manter o mandato de 2.556 integrantes.


Se for levado em conta o custo absoluto do Congresso brasileiro por habitante (R$ 32,49), ele seria o terceiro mais caro do mundo, atrás do italiano (R$ 64,46) e do francês (R$ 34,00). O Brasil fica mais caro, porém, se for calculado o peso desse custo no bolso de cada habitante por duas medidas importantes para comparar economias nacionais – o salário mínimo e o PIB per capita. No Brasil, gasta-se dez vezes, em relação ao salário mínimo, o que se gasta na Alemanha ou no Reino Unido. Comparado ao PIB per capita, o gasto nacional é mais de oito vezes maior que o espanhol.


O mandato de cada parlamentar brasileiro custa hoje 2.068 salários mínimos, mais que o dobro do que ocorre no México, segundo colocado entre os países pesquisados, e 37 vezes o gasto proporcional ao salário mínimo registrado na Espanha.


Embora não tenham sido levantados neste estudo os custos diretos do mandato – salário, benefícios, assessores e verbas indenizatórias –, é possível comparar os gastos verificados na Câmara dos Deputados (R$ 101 mil mensais) aos da Câmara dos Comuns britânica (R$ 600 mil por ano). Cada parlamentar brasileiro consome mais do que o dobro de um parlamentar de um país em que a renda per capita e o custo de vida são muito superiores aos do Brasil.


Mesmo se não houvesse Senado – a Casa mais cara do mundo por membro, segundo o levantamento –, o Brasil ainda teria um dos Legislativos mais caros existentes. O Orçamento de um Congresso unicameral seria menor que o do Parlamento italiano, o terceiro da lista.


O levantamento reforça a percepção de que os integrantes das Casas legislativas brasileiras perderam a noção de proporção entre o que fazem e o país em que vivem.

Águia ou galinha? (James Aggrey)

História contada por James Aggrey, político e educador em Gana, numa reunião de lideranças populares, que discutiam os caminhos de libertação do domínio colonial inglês.

"Era uma vez um camponês que foi à floresta vizinha apanhar um pássaro para mantê-lo cativo em sua casa. Conseguiu pegar um filhote de águia. Colocou-o no galinheiro junto com as galinhas. Comia milho e rações próprias para galinhas, embora a águia fosse a rainha de todos os pássaros. Depois de cinco anos, este homem recebeu em sua casa a visita de um naturalista. Enquanto passeavam pelo jardim, disse o naturalista:

– Esse pássaro aí não é galinha. É uma águia.

– De fato – disse o camponês. É águia. Mas eu criei como galinha. Ela não é mais uma águia. Transformou-se em galinha como as outras, apesar das asas de quase três metros de extensão.

– Não – retrucou o naturalista. Ela é e será sempre uma águia. Pois tem um coração de águia. Este coração fará um dia voar às alturas.

– Não, não – insistiu o camponês. Ela virou galinha e jamais voará como águia.

Então decidiram fazer uma prova. O naturalista tomou a águia, ergueu-a bem alto e desafiando-a disse:

– Já que você de fato é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, então abra suas asas e voe!

A águia pousou sobre o braço estendido do naturalista. Olhava distraidamente ao redor. Viu as galinhas lá embaixo, ciscando grãos. E pulou para junto delas. O camponês comentou:

– Eu lhe disse, ela virou uma simples galinha!

– Não – respondeu firmemente o naturalista. Ela é águia, possuirá sempre um coração de águia. Vamos experimentar ainda uma última vez. Amanhã a farei voar.

No dia seguinte, o naturalista e o camponês levantaram cedo. Pegaram a águia, levaram-na para fora da cidade, longe das casas dos homens, no alto de uma montanha. O sol nascente dourava os picos das montanhas.

O naturalista ergueu a águia para o alto e ordenou-lhe:

– Águia, já que você é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, abra suas asas e voe!

A águia olhou ao redor. Tremia como se experimentasse nova vida. Mas não voou. Então o naturalista segurou-a firmemente, bem na direção do sol, para que seus olhos pudessem encher-se da claridade solar e da vastidão do horizonte. Nesse momento, ela abriu suas potentes asas, grasnou com o típico kau-kau das águias e ergueu-se, soberana, sobre si mesma. E começou a voar, a voar para o alto, a voar cada vez para mais alto. Voou... voou... até confundir-se com o azul do firmamento...".

E Aggrey terminou conclamando:

“Irmãos e irmãs! Nós fomos criados à imagem e semelhança de Deus! Mas houve pessoas que nos fizeram pensar como galinhas. E muito de nós ainda acham que somos efetivamente galinhas. Mas nós somos águias. Por isso, companheiros e companheiras, abramos as asas e voemos. Voemos como águias. Jamais nos contentemos com os grãos que nos jogarem aos pés para ciscar.”

sábado, 21 de julho de 2007

Reflexões sobre as causas de desastres do capitalismo (Bernardo Kucinski)

Vão dizer que eu estou exagerando. Lá vem ele de novo, culpando o capitalismo por tudo, até mesmo por essa fatalidade que foi a tragédia do avião da TAM. Além do mais, causada provavelmente pela condição da pista, negligência da Infraero, ou seja, culpa do Lula...

Mas será que o exagero não está em atribuir um acidente desse porte a uma pista apenas molhada num dia de chuva leve? Houve certamente uma causa material, específica, ou um conjunto de causas. E a pista pode ter sido uma delas. Mas só a pista não explica o desastre. Houve dezenas de outras decolagens e aterrissagens debaixo de chuva na mesma pista.

O grande desastre com o Concorde em agosto de 2000, que levou ao abandono desse supersônico três anos depois, também aconteceu por uma seqüência incrível de causas: a primeira delas, um pequeno pedaço de metal desprendido de um pneu numa decolagem anterior e que passou desapercebido na varredura de rotina da pista.

Há outro elemento comum entre os desastres do Concorde e do Airbus: o gigantismo dos aviões. O Concorde era um gigante com capacidade de 100 passageiros e 185 toneladas na decolagem. Foi derrubado por um pedaço de arame, não por causa do tamanho do arame, por causa do tamanho do avião. O Airbus 320 também é um gigante. Pode decolar com até 77 toneladas.

Os engenheiros dizem que ele precisa de 2.200 metros de pista para pousos com margem razoável de segurança. A pista de Congonhas tem 1939 metros. Dá para pousar. Pousou inúmeras vezes. E tudo indica que o desastre não aconteceu por causa do tamanho da pista ou da condição da pista. O avião nem conseguiu frear, portanto nem chegou a derrapar.

Mas a permissão para o Airbus operar em Congonhas, sem muita margem de segurança, não é mero acaso, é uma imposição do mercado. Da voracidade da demanda por assentos em vôos regionais. Da ganância. O Concorde também nasceu de pesquisas de mercado. Surgiu no apogeu das multinacionais americanas. Tomar o café da manhã em Nova York e almoçar em Paris, mesmo voando contra o fuso horário. Essa era a idéia. Uma demanda do mercado.

Na década de 70, sucediam-se desastres com navios petroleiros. Colidiam com terminais e outros navios, provocando derrames enormes de óleo, matando peixes, poluindo quilômetros de praias. Cada desastre tinha sua causa específica ou conjunto de causas. Mas o fator comum a todos eles era o tamanho dos petroleiros, gigantes de até 400 mil toneladas, verdadeiros Titanics possuídos de tanta inércia que uma correção de rumo tinha que ser decidida um dia antes. A maioria eram petroleiros de bandeira liberiana; artifício usado pelos armadores para manter tripulações mínimas e burlar rigores de fiscalização. Ganância da indústria do petróleo, a serviço da voracidade americana por petróleo barato do Oriente Médio.

Seis anos atrás, um incêndio eclodiu a maior das plataformas marítimas da Petrobrás, a P-37, do campo de Roncador. Seguiram-se explosões. Morreram dez operários e a plataforma foi totalmente perdida. O desastre teve causas específicas. Ventilação deficiente, despreparo no combate ao fogo. Mas o fator sistêmico do desastre foi a terceirização da exploração de petróleo para reduzir custos trabalhistas e, de quebra, enfraquecer os sindicatos dos petroleiros, vistos pela direção neoliberal da Petrobrás como uma “elite” operária. Neoliberalismo e ganância.

No começo deste ano, rompeu-se uma barragem da mineradora Rio Pomba, em Minas, inundando e enlameando seis cidades, rio abaixo, até o Estado do Rio de Janeiro. O desastre teve causas específicas, a principal delas a forte concentração de chuvas naqueles dias. Mas o fato é que a barragem de oito metros de altura e capacidade para 200 milhões de litros foi construída sem licença ambiental e não possuía mecanismos para o escoamento. Economia, ganância e negligência do Estado, esvaziado por décadas de neoliberalismo.

Em janeiro deste ano, um desabamento engoliu sete pessoas nas obras da linha 4 do metrô de São Paulo. Um grande desastre. Certamente provocado por causas específicas. Talvez, erros nos índices de estabilidade do solo ou na aplicação das camadas de cimento do túnel, agravadas pelo recurso a explosões como método de escavação. O consórcio tinha pressa. As mesmas empresas iriam depois operar a linha 4 em regime de concessão. Havia prêmios de desempenho para as subcontratadas que ganhassem tempo no cronograma de trabalhos. O Estado olhava para o outro lado, porque também tinha interesse político numa inauguração antes das eleições municipais de 2008. O menor tempo teve preferência sobre a maior segurança. Política, ganância e negligência do Estado.

A tragédia com o avião da Gol, impossível estatisticamente de acontecer, no entanto aconteceu por um somatória incrível de causas específicas. Nenhuma delas sozinha teria levado à colisão. E mais: bastava uma delas não ter acontecido para não ter havido colisão. Aquilo, sim, foi um a tragédia em que o acaso falou mais alto. Mesmo assim, houve influência de pelo menos um fator sistêmico: o regime de trabalho dos controladores de vôo, em número insuficiente para o mercado que cresceu rapidamente. Duas décadas de neoliberalismo, impediram que Estado contratasse mais servidores, que fizesse concursos públicos. Seu mote era terceirizar e privatizar. Esvaziar o aparelho de Estado. Enquanto isso, o transporte aéreo crescia e crescia. Negligência e neoliberalismo.

Querem que eu continue? Ou vamos parar por aí?

Os mortos Pan-Americanos (Sandra Carvalho e Fernando Delgado)

Em vez de contagem de medalhas, estamos contando corpos. Infelizmente, parece que o Rio 2007 será lembrado mais pelos seus mortos do que pelos jogos. As mesmas forças policiais que pretendem dar segurança ao Pan são responsáveis por invasões de comunidades, e já levaram à morte, no mínimo, 44 pessoas no Complexo do Alemão: são os mortos pan-americanos. No Brasil, o chamado espírito olímpico é fatal.


Mega eventos iguais ao Pan têm históricos violentos. O governo mexicano matou 25 estudantes que protestavam pacificamente contra o autoritarismo do governo no início das Olimpíadas de 1968, no que ficou conhecido como Massacre de Tlatelolco. No dia da abertura dos Jogos Pan-Americanos de 2003, a polícia da República Dominicana atirou em um grupo de sindicalistas que organizavam uma "Tocha contra a Fome". Em 2006, o Vietnam fez uma campanha de "limpeza social" com detenções em massa, recolhimento forçado de crianças e outros abusos contra sua população de rua, tudo por causa do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico.


Existem outros exemplos. No Rio de Janeiro, além das violações de direitos durante a ECO 92, a cada Carnaval a "Operação Verão" traz seus excessos policiais. No dia-a-dia, autoridades municipais e estaduais vêm realizando uma "limpeza social" silenciosa, através, por exemplo, do recolhimento arbitrário de crianças na "Operação Turismo Seguro" e na destruição de pertences dos moradores de rua na "Operação Cata-Tralha”.


No histórico comparativo de violência institucional durante mega eventos no mundo, o Brasil se destaca pelo alto número de pessoas mortas: 44 mortos do Complexo do Alemão. As autoridades policiais conseguiram, inclusive, agregar maior crueldade aos seus já conhecidos abusos: revistar crianças sob a mira de fuzil em comunidades pobres. Se essas mortes e abusos policiais ficarem impunes, resta a evidente e direta responsabilidade do secretário de Segurança Pública e do governador do Estado.


Às execuções cometidas por esquadrões da morte (no passado), pelo tráfico, pelas milícias e grupos de extermínio, soma-se esse elevado padrão de letalidade policial, onde a execução sumária adquire um caráter supostamente “legal” ao ser registrada como auto de resistência. Entramos na era do Caveirão, afinal. O Estado não esconde mais sua violência. Ele se orgulha. A polícia invade as comunidades a bordo de blindados com símbolo de caveira anunciando "Eu vou pegar sua alma". Trata-se do projeto de criminalização da pobreza, que associa o morador de favelas à criminalidade e assume o número de mortos como um resultado positivo, como critério de eficiência policial.


Que vergonha! Pela criminalização da população negra e pobre; por utilizar violência policial como suposta solução de enfrentamento da criminalidade; por gastar bilhões com o Pan, enquanto milhões de pessoas moram em barracos; por executar seus cidadãos: que vergonha! É esse o chamado legado social do Pan, ou “pandemônio”, como o evento ficou conhecido em grande parte das comunidades pobres.

domingo, 15 de julho de 2007

Odeio os indiferentes (Antonio Gramsci)

Odeio os indiferentes. Acredito que viver significa tomar partido. Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.

A indiferença é o peso morto da história, opera potentemente, opera passivamente, mas opera. É a fatalidade com a qual não se pode contar. Torce os programas e arruína os planos melhores concebidos. É a matéria bruta desbaratadora da inteligência. Mas o que acontece é porque a massa dos homens abdica de sua vontade, deixa de fazer, permitindo a promulgação de leis, que depois serão derrogadas somente por uma revolta, deixa subir ao poder homens que, depois, só uma sublevação é que poderá derrubá-los.

A massa ignora por despreocupação, e então parece ser a fatalidade que arrasta tudo e todos, parece que a história não é mais do que um gigantesco fenômeno natural de que são todos vítimas, o que quis e o que não quis, quem sabia e quem não sabia, quem se mostrou ativo e quem foi indiferente. Alguns choramingam piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse procurado fazer valer a minha vontade teria sucedido o que sucedeu?

Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente, do que fizeram e, sobretudo do que não fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas.

Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Nessa cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido, qualquer coisa que aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência dos cidadãos. Ninguém estará à janela, emboscado, enquanto um pequeno grupo se sacrifica, se imola no sacrifício. Vivo, sou militante. Por isso odeio quem não toma partido. Odeio os indiferentes.

O amor (Carlos Drummond de Andrade)

Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção. Pode ser a pessoa mais importante da sua vida.

Se os olhares se cruzarem e neste momento houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em que nasceu.

Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante e os olhos encherem d'água neste momento, perceba: existe algo mágico entre vocês.

Se o primeiro e o último pensamento do dia for essa pessoa, se a vontade de ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça: Deus te mandou um presente divino, o amor.

Se um dia tiver que pedir perdão um ao outro por algum motivo e em troca receber um abraço, um sorriso, um afago nos cabelos e os gestos valerem mais que mil palavras, entregue-se: vocês foram feitos um pro outro.

Se por algum motivo você estiver triste, se a vida te deu uma rasteira e a outra pessoa sofrer o seu sofrimento, chorar as suas lágrimas e enxugá-las com ternura, que coisa maravilhosa: você poderá contar com ela em qualquer momento de sua vida.

Se você conseguir em pensamento sentir o cheiro da pessoa como se ela estivesse ali do seu lado...Se você achar a pessoa maravilhosamente linda, mesmo ela estando de pijamas velhos, chinelos de dedo e cabelos emaranhados...

Se você não consegue trabalhar direito o dia todo, ansioso pelo encontro que está marcado para a noite... Se você não consegue imaginar, de maneira nenhuma, um futuro sem a pessoa ao seu lado...

Se você tiver a certeza que vai ver a pessoa envelhecendo e, mesmo assim, tiver a convicção que vai continuar sendo louco por ela... Se você preferir morrer antes de ver a outra partindo: é o amor que chegou na sua vida. É uma dádiva.

Muitas pessoas apaixonam-se muitas vezes na vida, mas poucas amam ou encontram um amor verdadeiro. Ou às vezes encontram e por não prestarem atenção nesses sinais, deixam o amor passar, sem deixá-lo acontecer verdadeiramente.

É o livre-arbítrio. Por isso preste atenção nos sinais, não deixe que as loucuras do dia a dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: o amor.

domingo, 8 de julho de 2007

Patrimônios da humanidade (Cristovam Buarque)

Durante um encontro no Hotel Hilton, o senador Cristovam Buarque, ex-Ministro da Educação, foi questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazônia. O universitário estadunidense que fez a pergunta pediu ao senador que respondesse como humanista, não como brasileiro. Eis a resposta:

"De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso. Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a humanidade.

Se a Amazônia, sob uma ética humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço. Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado.

Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.

Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural Amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país. Não faz muito, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele, um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado. Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhattan deveria pertencer a toda a humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, cada cidade, com sua beleza específica, sua historia do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.

Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil.

Defendo a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha possibilidade de comer e de ir à escola. Internacionalizemos as crianças, tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro. Mais até do que merece a Amazônia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um patrimônio da Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar, que morram quando deveriam viver.

Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa!".

Carta (Zé Roberto)

Inicialmente gostaria de expressar minha gratidão ao Brasil. Foi com prazer que por muito tempo defendi a camisa canarinho e me orgulhei de ser brasileiro.

Infelizmente este país não faz mais parte de mim. Por muitos anos vivi com minha família na Alemanha e me identifiquei completamente com o país.

A despeito de certos intolerantes e racistas, que são minoria, minha família se integrou totalmente ao modo de vida alemão. Minhas filhas mal falam português e são totalmente fluentes em alemão.

Para voltar ao Brasil, isto pesou muito. Queria que elas se sentissem, como me sentia, brasileiro. Queria que conhecessem o meu país, que falassem a minha língua nativa, queria mostrar o lado bom do Brasil, um pouco diferente daquilo que volta e meia aparece nos noticiários da TV alemã.

A tentativa foi em vão. Muito embora tenhamos ficado em uma cidade muito acima da média do padrão de vida brasileiro, os males que a assolam me parecem regra, não exceção na vida brasileira. Não nos era permitido andar sem seguranças. Minhas filhas não podiam em hipótese alguma passear ou brincar na rua.

Ir à praia que fica a menos de 100 m de nosso apartamento também era contra a recomendação do que nos passavam os seguranças e companheiros de clube. Todo o tempo que estivemos no Brasil, ainda que livres fisicamente, éramos reféns psicológicos. Mesmo sendo um ídolo local, o risco parecia nos acompanhar a cada esquina virada, a cada momento em que passeávamos. A sombra do seqüestro ocorrido dois anos atrás com outro ídolo local, Robinho, nos perseguia por todos os lados.

Assistir o noticiário televisivo alimentava ainda mais nossos medos. Por sorte, minhas filhas não entendem muito bem português. Se entendessem, descobririam um país em que o crime está por todos os lados: está nas escolas, está nas faculdades, está no Judiciário, está no Congresso e está até mesmo na família do Presidente. Imagino o choque cultural para elas, criadas em um país com padrões morais tão rígidos.

Me ponho no lugar delas e penso como deve ter sido desagradável esta estadia no Brasil. O que pensavam quando dizíamos que elas não podiam andar livremente nas ruas? O que pensavam quando dizia que era melhor não dizer às amigas que eram minhas filhas? Como entendiam que não brincar na rua, que não passear em parques e que sempre andar com aqueles homens que não conheciam era o melhor para elas?

Minhas filhas devem ter detestado o Brasil. Foi com muita alegria que receberam a notícia de que voltaríamos à Alemanha. Além da segurança, há a questão da discriminação. Embora etnicamente muito diferente da população local, minhas filhas sempre foram respeitadas e nunca vistas com menosprezo.

Aqui no Brasil, onde todas as raças se misturaram e não dá para saber quem é o que, sofríamos com um tipo de discriminação inimaginável para elas: Éramos vistos como anormais por nossa religiosidade. Por aqui imaginam que negros sofram de racismo na Alemanha, mas praticam uma intolerância inexplicável por sermos evangélicos.

Ou, como é dito pejorativamente por aqui, somos "crentes", palavra carregada de maus juízos. Dentro do futebol, jogadores como eu que se organizam em grupos chamados de "Atletas de Cristo" são vistos com ressalvas, especialmente pela mídia que acompanha o esporte.

Por todos estes motivos, levo minha família de volta à Europa. Pelo meu sucesso e também pelas nossas escolhas, o Brasil se tornou um suplício para aqueles a quem mais amo. Batalhei a vida inteira para sair da pobreza e ter sucesso profissional. Acima de tudo isto, sempre busquei construir uma família feliz e correta. Hoje, a felicidade de minha família tem como pré-requisito afastá-las do Brasil. Por isto que, ainda que com tristeza, faço o melhor para elas.

Aos meus fãs, muito obrigado.

Ao Brasil, boa sorte.

domingo, 1 de julho de 2007

Anatomia da corrupção (Mauro Santayana)

No Brasil, os escândalos têm uma função apaziguadora: tão logo um eclode, os outros perdem a atualidade e caem no esgoto do esquecimento. As revelações da Operação Navalha, da Polícia Federal, fazem esmaecer as falcatruas descobertas durante a Operação Hurricane. E nem se mencionem outras, como a Narciso, que desventrou a famosa Daslu. Os envolvidos nesses escândalos respiram aliviados. Espera-se, no entanto, que tão logo passe a fase aguda da investigação sobre a empresa Gautama, o Ministério Público e a Polícia Federal venham a aprofundar suas pesquisas sobre as falcatruas anteriores.

Há casos que começam a se tornar fósseis, como os da evasão de divisas pelo Banestado, calculadas em 30 bilhões de dólares, e os das privatizações. Como se recorda, a transferência ilegal de dinheiro pela ponte entre o Brasil e o Paraguai foi autorizada por uma portaria do Banco Central, de responsabilidade (assumida em depoimento ao Congresso) do Sr. Gustavo Franco, que presidia a instituição no governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso. O Sr. Gustavo Franco continua impermeável como uma folha de inhame, e ainda se dá ao luxo de dar conselhos ao governo atual, como se noticiou. O enfant-gâté dos meios tucanos, fiel a seu ideário, recomendou reduzir ainda mais as alíquotas de importação, a fim de valorizar o dólar. Isso significa diminuir ainda mais os empregos no Brasil e criar mais empregos na China.

O Sr. Franco é um dos que saíram do governo para administrar grandes negócios, aqui e no estrangeiro. É interessante registrar que o Estado não paga bem a seus altos tecnocratas, segundo reclamações gerais – mas quase todos se enriquecem tão logo deixam a instituição. Recente livro do jornalista Luis Nassif, não contestado até agora, mostra como os autores do plano real criaram expedientes para seu enriquecimento rápido, mediante o Banco Matrix. Um dos exemplos disso: o Sr. André de Lara Resende, filho de um grande e honrado jornalista, que sempre viveu de seu trabalho, tornou-se multimilionário, e resolveu investir seu dinheiro na criação de cavalos na Inglaterra.

Não podemos, como dizem alguns, retornar ao tempo de Tomé de Souza, quando se inaugurou a corrupção no Brasil, com o provedor-mor Antonio Cardoso de Barros sendo acusado pelo governador-geral de desviar o dinheiro da Coroa para enriquecer-se com os engenhos de açúcar que montou. De qualquer forma, de acordo com a versão mais conhecida, Cardoso de Barros foi devorado pelos caetés, juntamente com o bispo Sardinha, quando voltava para Lisboa. Logo, pagou indiretamente por suas falcatruas. Mas, se não podemos retornar ao século XVI, nada nos impede de retornar, pelo menos, ao governo Collor e, de lá para cá, reexaminar todos os casos conhecidos. Muitos crimes já prescreveram, é certo, mas é importante que saibamos exatamente onde se encontra o dinheiro desviado e o que fazem, hoje, os ladrões.

Como ocorreram, realmente, as privatizações? Como foi possível a um grande banco privado participar da avaliação da Vale do Rio Doce e, em seguida, participar do consórcio comprador do controle acionário da mais importante empresa estatal brasileira? Ainda agora, com desplante, a empresa, privatizada, diz desconhecer o poder do Estado de intervir nos negócios da Vale, sempre que o interesse nacional exigir, negando, assim, valor à golden-share, garantia estabelecida no contrato de transferência das ações do Estado aos compradores. A Vale, vendida por pouco mais de 3 bilhões de reais, está obtendo hoje lucros superiores aos da própria Petrobrás. Se os membros do governo Fernando Henrique, envolvidos no programa de entrega, não lucraram diretamente com o negócio, houve, pelo menos, prodigalidade dos responsáveis. E a prodigalidade com dinheiro público é pior do que a própria corrupção, de acordo com a advertência de Richelieu em seu Testamento Político, porque a corrupção tem limites naturais, e a prodigalidade, não.

Sempre se fala em passar o Brasil a limpo, mas essa providência é adiada, porque são eles, os beneficiários das falcatruas, que controlam o Congresso e a máquina administrativa – e que têm aliados poderosos no Poder Judiciário, como os fatos recentes demonstram. É a demorada impunidade dos grandes criminosos que transforma o povo em carrasco – disse, durante a Revolução Francesa, um ano antes de a guilhotina começar a funcionar para valer, um deputado à Assembléia Nacional, Maximin Isnard.

No caso do Brasil, pelo menos até agora, mais do que demorada, a impunidade tem sido permanente. Para ficar apenas nos escândalos dos últimos 17 anos – a partir do governo Collor – a nação não sabe, até hoje, aonde foi o dinheiro arrecadado pelo tesoureiro Paulo César Farias. Para que a grande roubalheira permanecesse oculta (e oculto o destino das centenas de milhões de dólares) foram assassinados Paulo César e sua amante, e até hoje se encontra inexplicável a morte de sua própria mulher. Itamar Franco conseguiu impedir que a sangria continuasse, mas teve que enfrentar no Congresso, o escândalo dos anões do Orçamento, que vinha de muitas legislaturas passadas. Os anões também ficaram impunes. O único envolvido no caso que cumpriu prisão, José Carlos Alves dos Santos, não estava sendo punido pelo fato de haver obtido propina de dois milhões de dólares (encontrados em seu apartamento), mas pelo fato de haver matado a própria mulher.

Durante o governo de Itamar – e isso é incontestável – fechou-se a sangria. As empreitadas caíram entre 15 e 20% de custo. O Presidente criou uma Comissão neutra de investigações, formada por personalidades de firme reputação, a fim de apurar as denúncias contra o poder executivo. Nos meses em que atuou, a Comissão iniciou a investigação de várias denúncias, envolvendo empreiteiras, parlamentares e funcionários da União. Ao entregar o governo para o Sr. Fernando Henrique, em janeiro de 1995, Itamar passou-lhe o relatório preliminar da Comissão. Ninguém sabe onde se encontra esse relatório, e a Comissão foi extinta, como um dos primeiros atos do novo governo.

Iniciou-se, então, aquilo que podemos qualificar como a corrupção legalizada. O projeto neoliberal, vindo de fora, e alegremente assumido pelo então presidente, impunha várias emendas à Constituição. A primeira delas era a da reeleição, para que houvesse continuidade na entrega da soberania nacional a Washington e na destruição do Estado nacional independente. Em seguida, fazia-se necessária a privatização das grandes empresas estatais, que constituíam a ossatura e os nervos da nação, como estrutura estratégica e base para o desenvolvimento tecnológico. Foi assim que o governo Fernando Henrique entregou todo o sistema de telecomunicações, a indústria química de base e a Vale do Rio Doce. Só não conseguiu destruir totalmente o sistema energético porque, assumindo o governo de Minas, Itamar ameaçou resistir, manu militari, à entrega das usinas instaladas em seu estado.

Os escândalos estão aí. Todos os conhecem, da pasta rosa ao Proer; da doação do Bamerindus, sob intervenção do Banco Central, ao HSBC; do Sivam aos estranhos negócios do Sr. Daniel Dantas; do caso Cacciola à compra de votos para a emenda da reeleição. Arrastam-se, na Justiça, numerosas ações populares contra a venda da Vale do Rio Doce e das empresas de telecomunicações. E o Sr. Fernando Henrique se dá ao desplante de afirmar que não houve roubalheira no processo de privatizações. Por que, então, seu Procurador Geral da República mandou arquivar tudo o que pôde de denúncias contra o governo? Por que ministros do STF, de sua nomeação, se esmeraram em pedir vistas de alguns processos, e não os devolver antes dos prazos de prescrição?

Se a gente pensar bem, a sociedade brasileira não está dividida exatamente entre a esquerda e a direita, nem, mesmo, entre ricos e pobres. Está dividida entre os corruptos e corruptores, com seus protetores, de um lado, e os cidadãos, ricos e pobres, conservadores ou não, que trabalham honradamente, do outro.

Carta (Chefe Seattle)

Em 1.855, o cacique Seattle, da tribo Suquamish, do Estado de Washington, enviou uma carta ao então Presidente dos Estados Unidos, Francis Pierce, após o Governo externar a pretensão de comprar o território ocupado por aqueles indígenas. Faz mais de um século e meio. Mas o desabafo do cacique possui uma incrível atualidade. Eis a missiva:

“O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa terra. O grande chefe assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Nós vamos pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode acreditar no que o chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na mudança das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas, elas não empalidecem.

Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los?

Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência de meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho.

Os mortos do homem branco esquecem sua terra de origem quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta bela terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia, são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos úmidos nas campinas, o calor do corpo do potro, e o homem - todos pertencem à mesma família.

Portanto, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, pede muito de nós.

O Grande Chefe diz que nos reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, nós vamos considerar sua oferta de comprar nossa terra. Mas isso não será fácil. Esta terra é sagrada para nós.

Essa água brilhante que escorre nos riachos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhes vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada, e devem ensinar as suas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz de meus ancestrais.

Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são nossos irmãos e seus também. E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam a qualquer irmão.

Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes. Uma porção da terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo de que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e quando ele a conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa. A sepultura de seu pai e os direitos de seus filhos são esquecidos. Trata sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu, como coisas que possam ser compradas, saqueadas, vendidas como carneiros ou enfeites coloridos. Seu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto.

Eu não sei, nossos costumes são diferentes dos seus. A visão de suas cidades fere os olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e não compreenda.

Não há um lugar quieto nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater das asas de um inseto. Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não compreendo. O ruído parece somente insultar os ouvidos.

E o que resta da vida se um homem não pode ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa, à noite? Eu sou um homem vermelho e não compreendo. O índio prefere o suave murmúrio do vento encrespando a face do lago, e o próprio vento, limpo por uma chuva diurna ou perfumado pelos pinheiros.

O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro - o animal, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo sopro. Parece que o homem branco não sente o ar que respira. Como um homem agonizante há vários dias, é insensível ao mau cheiro. Mas se vendermos nossa terra ao homem branco, ele deve lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha seu espírito com toda a vida que mantém. O vento que deu a nosso avô seu primeiro inspirar também recebe seu último suspiro. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem mantê-la intacta e sagrada, como um lugar onde até mesmo o homem branco possa ir saborear o vento açucarado pelas flores dos prados.

Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo qualquer outra forma de agir.

Vi um milhar de búfalos apodrecendo na planície, abandonados pelo homem branco que os alvejou de um trem ao passar. Eu sou um selvagem e não compreendo como é que o fumegante cavalo de ferro pode ser mais importante que o búfalo, que sacrificamos somente para permanecer vivos.

O que é o homem sem os animais? Se todos os animais se fossem o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Pois o que ocorre com os animais, breve acontece com o homem. Há uma ligação em tudo.

Vocês devem ensinar às suas crianças que o solo a seus pés é a cinza de nossos avôs. Para que respeitem a terra, digam a seus filhos que ela foi enriquecida com as vidas de nosso povo. Ensinem as suas crianças o que ensinamos as nossas que a terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer à terra, acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos.

Isto sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem pertence à terra. Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo.

O que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo.

Mesmo o homem branco, cujo Deus caminha e fala com ele de amigo para amigo, não pode estar isento do destino comum. É possível que sejamos irmãos, apesar de tudo. Veremos. De uma coisa estamos certos - e o homem branco poderá vir a descobrir um dia: nosso Deus é o mesmo Deus. Vocês podem pensar que O possuem, como desejam possuir nossa terra; mas não é possível. Ele é o Deus do homem, e Sua compaixão é igual para o homem vermelho e para o homem branco. A terra lhe é preciosa, e feri-la é desprezar seu criador. Os brancos também passarão; talvez mais cedo que todas as outras tribos. Contaminem suas camas, e uma noite serão sufocados pelos próprios dejetos.

Mas quando de sua desaparição, vocês brilharão intensamente, iluminados pela força do Deus que os trouxe a esta terra e por alguma razão especial lhes deu o domínio sobre a terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é um mistério para nós, pois não compreendemos que todos os búfalos sejam exterminados, os cavalos bravios sejam todos domados, os recantos secretos da floresta densa impregnadas do cheiro de muitos homens, e a visão dos morros obstruída por fios que falam.

Onde está o arvoredo? Desapareceu.

Onde está a águia? Desapareceu.

É o final da vida e o início da sobrevivência.”