domingo, 29 de maio de 2011

Lição de Fukushima (Ha Minh Thanh)

A carta a seguir foi escrita por Ha Minh Thanh, um imigrante vietnamita que é policial em Fukushima no Japão, a seu irmão, mas acabou chegando a um jornal em Shangai que a traduziu e publicou.

Querido irmão,

Como estão você e sua família? Estes últimos dias tem sido um verdadeiro caos. Quando fecho meus olhos, vejo cadáveres e quando os abro, também vejo cadáveres. Cada um de nós está trabalhando umas 20 horas por dia e mesmo assim, gostaria que houvesse 48 horas no dia para poder continuar ajudar e resgatar as pessoas.

Estamos sem água, eletricidade e as porções de comida estão quase a zero. Mal conseguimos mudar os refugiados e logo há ordens para mudá-los para outros lugares. Atualmente estou em Fukushima, uns 25 quilômetros da usina nuclear. Tenho tanto a contar que se fosse relatar tudo, essa carta se tornaria um verdadeiro romance sobre relações humanas e comportamentos durante tempos de crise.

As pessoas aqui permanecem calmas – seu senso de dignidade e comportamento são muito bons – assim, as coisas não são tão ruins como poderiam. Entretanto, mais uma semana, não posso garantir que as coisas acabem chegando a um ponto onde não poderemos dar proteção e manter a ordem de forma apropriada.

Afinal de contas, eles são humanos e quando a fome, a sede se sobrepõem à dignidade, farão o que tiver que ser feito para conseguir comida e água. O governo está tentando fornecer suprimentos pelo ar enviando comida e medicamentos, mas é como jogar um pouco de sal no oceano.

Irmão querido, houve um incidente realmente tocante que envolveu um garotinho japonês que ensinou a um adulto como eu, uma lição de como se comportar como um verdadeiro ser humano.

Ontem à noite fui enviado para uma escola infantil para ajudar uma organização de caridade a distribuir comida aos refugiados. Era uma fila muito longa e notei no final dela, um garotinho de uns 9 anos que usava uma camiseta e um short.

Estava ficando muito frio e fiquei preocupado se, ao chegar sua vez, poderia não haver mais comida. Fui falar com ele. Ele contou que estava na escola quando o terremoto ocorreu. Seu pai, que trabalhava perto, estava se dirigindo para a escola para apanhá-lo e ele, que estava no terraço do terceiro andar, viu quando a onda tsunami levou o carro com seu pai dentro. Perguntei sobre sua mãe e ele disse que sua casa era bem perto da praia e que sua mãe e sua irmãzinha provavelmente não sobreviveram. Notei que virou a cabeça para limpar uma lágrima quando perguntei sobre sua família.

O garoto estava tremendo. Tirei minha jaqueta de policial e coloquei sobre ele. Foi aí que minha bolsa de bento (comida) caiu. Peguei-a e dei a ele dizendo:
Quando chegar a sua vez a comida pode ter acabado. Assim, aqui está a minha porção. Eu já comi. Por que você não come?

Ele pegou a minha comida e fez uma reverência. Pensei que ele iria comer imediatamente, mas ele não o fez. Pegou a comida, foi até o início da fila e colocou-a onde todas as outras comidas estavam esperando para serem distribuídas.

Fiquei chocado. Perguntei-lhe porque ele não havia comido ao invés de colocar a comida na pilha de comida para distribuição. Ele respondeu:

Porque vejo pessoas com mais fome que eu. Se eu colocar a comida lá, ele irão distribuí-la mais igualmente.

Quando ouvi aquilo, virei-me para que as pessoas não me vissem chorar. Uma sociedade que pode produzir uma pessoa de 9 anos que compreende o conceito de sacrifício para o bem maior, deve ser uma grande sociedade, um grande povo.

Bem, envie minhas saudações à sua família. Tenho que ir, meu plantão já começou.

Ha Minh Thanh

domingo, 1 de maio de 2011

A alienação coletiva brasileira (Bruno Momesso Bertolo)

Somos um povo alienado, submisso e conivente. Alguns preferem denominarmos como alegres, pacíficos e despojados, talvez uma forma de minimizar ou ocultar um grave problema que, infelizmente, parece se agravar: a alienação coletiva brasileira.

A meu ver, quatro fatores colaboram – e muito – para o estado letárgico do brasileiro: futebol, televisão, religião e carnaval.

Beira o ridículo o fanatismo – quase uma enfermidade – que acomete inúmeras pessoas com relação ao futebol, seja para um time, seja para a seleção. Choram, protestam, discutem diariamente, enfim, transformam um mero entretenimento em algo sagrado, que, às vezes, gera até violência e mortes. Para alguns, o futebol é a razão de viver.

Situação semelhante verifica-se no que tange aos programas televisivos, sobretudo novelas e reality shows, onde discussões acaloradas, milhões votos tarifados por telefones e leitura de revistas fúteis, hipnotizam os telespectadores, os quais poderiam, por exemplo, dedicar-se à leitura de um livro ou jornal.

Da mesma forma, algumas crenças pregam aos seus fiéis a despolitização e alienação, principalmente quando disseminam a ideia de que a conjuntura política, social e econômica de um indivíduo trata-se de uma vontade divina que devemos humildemente aceitar, como se fôssemos meros marionetes.

Por sua vez, o Carnaval chega a ser surreal, já que são dias de infindável festa, enquanto o país chafurda em corrupção, produzindo diversas mazelas sociais, tais como a violência, a desigualdade social, a carência de setores como educação, saúde e segurança pública, etc..

Sem dúvidas, a democracia brasileira possui tenra idade e ainda se aperfeiçoa, sobretudo se comparada com outras nações mais antigas e estáveis. Entretanto, transcorridos mais de duas décadas desde a promulgação da Constituição Federal de 1.988, o brasileiro já deveria ter ciência que todo poder emana da população, bem como que a democracia é o poder do povo, pelo povo e para o povo.

Lamentavelmente, a maioria da sociedade tupiniquim acredita que exercer seus direitos políticos limita-se a apertar botões somente e a cada dois anos. Uma lei como a denominada Ficha Limpa só poderia existir em um país como o Brasil, pois bastaria que os eleitores, se fossem atentos e politizados, não votassem nos candidatos que possuem histórico de improbidade administrativa e/ou crimes.

Diante do exposto, tenho que concluir com um célebre adágio: “Cada povo possui o governo que merece!”.