domingo, 26 de junho de 2011

Felicidade (Paulo Pereira da Costa)

Dos bens que o ser humano almeja, acho que a felicidade deveria vir em primeiro lugar. Se o gênio da lâmpada surgisse para atender a um pedido, muitos desejaríamos ser podres de ricos, outros, muito bonitos, outros, muito inteligentes, enfim... Talvez poucos dissessem apenas: “quero ser feliz”. Na verdade, as pessoas buscam a felicidade, e os desejos que mencionei são o caminho que a maioria pensa que leva a ela. Sonha-se em ganhar muito dinheiro, ter poder, beleza, influência, etc., porque se supõe que sem isso não dá pra ser feliz. Ou seja, para muitos, a felicidade é um tesouro inatingível antes da conquista de um monte de outras coisas. Mas o que, afinal, é ser feliz? Ter uma bela casa? Carro top de linha? Roupas caras? Muito dinheiro? Não. A felicidade é um estado de espírito, um sentimento que se sustenta sem necessidade de certos valores materiais.

Está mais no que se é do que naquilo que se tem. De que vale uma cama confortável se o sono não vem?

A felicidade existe. Não é possível, obviamente, tê-la o tempo todo porque, afinal, não somos invulneráveis. Mas está presente na nossa vida muito mais do que imaginamos. Às vezes ela está ali, pronta para ser usufruída, mas não a reconhecemos; então vamos procurá-la nas coisas e nos lugares errados, e aí caímos na solidão, na frustração, na insatisfação.

Há uma preocupação excessiva de passar uma boa impressão, de mostrar prosperidade, de ostentação, uma vontade insana de querer parecer melhor do que os outros. Isso nada tem a ver com felicidade. Canta Moraes Moreira: “Felicidade é uma casinha pequenina/ é uma cidade, é uma colina/ qualquer lugar que se ilumina/ quando a gente quer amar...” (Pão e Poesia). A felicidade é uma luz que sai de dentro da gente e reflete ao redor, não importa o tempo nem o lugar. Certa vez, depois do trabalho, fui buscar minha filha caçula na escola; quando voltava, ao parar no semáforo, olhei para trás e vi-a deslumbrada, prestando atenção nas lojas, nas luzes, no movimento das pessoas. Percebi que, a despeito da lentidão do trânsito, do cansaço, aquele era um momento feliz. A felicidade dela me contagiou.

A nossa mania de grandeza impede-nos de ver e sentir que, na maior parte do tempo, somos felizes. Não há necessidade de que tudo esteja perfeito. Não carece de êxtase supremo, grande exaltação, frenesi, prazer extremo. A dádiva da vida já é motivo de júbilo. Há muitas coisas simples que são prazerosas. A mera satisfação de nossas necessidades biológicas, por exemplo. Aquele cochilo no sofá com o livro caído do lado, o desenho animado do Snoopy, ler, ver a chuva cair, ter comida na mesa, caminhar, conversar com gente bacana, matar a sede com um caldo de cana. Para ser feliz, basta valorizar coisas e situações simples, muitas delas gratuitas, que propiciam satisfação íntima, bem-estar.

O trabalho pode ser prazeroso se visto como algo que propicia estar com os amigos, ajudar pessoas, exercitar a criatividade, superar-se. Ser feliz é viver. Viver é enfrentar problemas, buscar serenidade, força espiritual, romper barreiras, lutar. Vida é energia, é ação, é o beijo, o abraço, o aperto de mão. É o sorriso, é ser criança, é ser livre, ter esperança.

É sonhar, é compartilhar. É satisfazer a vontade, é aproveitar a ocasião, a oportunidade. É tentar a conquista, é ter um ponto de vista.

Felicidade é gostar de viver sabendo dos altos e baixos, dos solavancos; é ter disposição para subir e descer barranco, empurrar o carro para pegar no tranco; é não ligar se tem muito ou pouco dinheiro no banco; felicidade é viver com intensidade, sem se importar com a idade nem se é pobre ou rico; é ter liberdade, autenticidade, não ter medo de ‘pagar mico’, prezar pela verdade, não dar bola para fuxico; felicidade é apreciar a arte, é conviver, ter amizade, é fazer parte; é aprazer-se com coisas simples, gostar do trivial, cultivar a bondade, fazer o outro sentir-se especial, perdoar, vencer dificuldade; felicidade é o fascínio com o brilho da lua, é o domínio da vontade fútil, é comer cenoura crua, é sentir-se útil; é ter bom humor, é apreciar o sabor da comida, é a turma reunida; felicidade é viver cada segundo em plenitude, é não desejar o impossível, é saber envelhecer, ter noção da magnitude de cada ato, é ser sensato; felicidade é encontrar amigos, relembrar fatos antigos, prosear; é ter alegria, sorrir, buscar harmonia, é amar, é dar graças a Deus por existir.

Muitas coisas me deixam feliz, mas uma, em especial, é saber que você leu este texto até o final.

domingo, 5 de junho de 2011

Um ato quase incondicional (Bruno Momesso Bertolo)

Dia 25 de maio foi o Dia Nacional da Adoção. Na edição de mencionada data, o Jornal de Limeira publicou matéria na qual narrava que, em Limeira, há o dobro de casais habilitados para a adoção em relação ao número de crianças e adolescentes aptos a serem adotados. O maior dos empecilhos para a adoção se efetivar é o perfil escolhido pelos adotantes, que almejam, em regra, infantes com até dois anos de idade e caucasianos. Em alguns casos, preferem até que sejam do sexo feminino.

Aliás, por qual motivo existe sobredito perfil? Por que reduzir um ser humano à uma condição materialista, aceitando-o unicamente se atender determinadas especificações e/ou preferências?

Eis um grave equívoco, totalmente contraditório ao ato de adotar. Semanticamente, o verbo “adotar” até pode significar “escolher” e/ou “optar”, porém, sobretudo por se tratar de pessoas, a expressão mais adequada seria “aceitar” e/ou “acolher”. Assim sendo, não se atrela a qualquer conjuntura.

Talvez os adotantes optem por crianças de tenra idade acreditando que tal circunstância facilitará a aceitação do adotado, o que não creio ser verdade. Com efeito, se o adotado souber desde o início de sua condição, não haverá o impacto emocional de saber que não pertence ao grupo genético da família com a qual convive. Compreenderá, também, que os adotantes acolheram-no em razão de amá-lo infinitamente, algo que alguns genitores não ostentam.

É possível, ademais, que candidatos brancos não escolham afro-descendentes (e vice-versa) em decorrência do racismo que permeia a sociedade brasileira, visando evitar prováveis dissabores pela coloração diferente da pele entre pais e filho. Faz sentido, mas se trata de uma postura cômoda e simplista. Afinal, os preconceitos somente ruirão quando a população for confrontada com situações com as quais não está habituada, vivenciando-as e, posteriormente, assimilando-as (ainda que não as aceite).

O perfil exigido para a adoção é desnecessário para aqueles que entendem o verdadeiro sentido da adoção. Traçando um paralelo, seria como os pais biológicos renegar seu descendente porque uma ou outra característica não o agrada. Apenas a genética distingue a adoção e a paternidade biológica. Ambas demandam um esforço hercúleo e não é o referido perfil que facilitará as responsabilidades inerentes.

Neste ponto, urge mencionar o excelente filme “Um sonho possível” (The blind side), que retrata a história verídica de Michael Oher, valioso atleta de futebol americano. Ele, um adolescente negro, sem-teto e na iminência de completar a maioridade, foi adotado por um casal de brancos, os quais enfrentaram diversos questionamentos, um dos quais é muito surpreendente e revelado ao final. Em uma de minhas cenas favoritas, Leigh Anne (a adotante) conversa com suas amigas, quando uma delas diz que ela está mudando a vida do jovem rapaz. De imediato, Leigh Anne responde, com os olhos lacrimejantes: “Não, ele é quem está mudando a minha”.

A adoção é, essencialmente, um ato de amor. Portanto, incondicional. Ou melhor, quase incondicional. Há tão-somente um aspecto fundamental: a empatia espiritual entre adotante e adotado, que pode ser aferida, por exemplo, com um mero olhar. Algo que perfil algum poderia alcançar.