Em
continuidade ao último artigo, prosseguiremos com outras aberrações de nossa
legislação penal. Anteriormente, mencionei que cometer crime contra grávida
configura uma circunstância agravante que eleva a pena, conforme determina o artigo
61, II, h, do Código Penal. Simples,
não? Parece um critério objetivo, sem maiores discussões. Mas não é! Para que
aludida agravante incida é necessário que o acusado tenha ciência que a vítima
está grávida. Portanto, como se supõe, é debatido no trâmite processual até se
o réu sabia da gravidez da ofendida, algo que, evidentemente, é difícil de
comprovar em decorrência de sua natureza subjetiva. Noutras palavras: trata-se de
mais um modo de favorecer o delinquente em detrimento da vítima.
Sobredita
normal penal também estipula que é uma circunstância agravante perpetrar o
delito contra criança. Pois bem! Eis a cena: uma discussão entre dois adultos, sendo
que um deles está com sua filha. No ápice do bate-boca, um deles saca uma arma
de fogo e dispara contra seu desafeto, visando atingi-lo e matá-lo, entretanto,
alveja a filha daquele. Diante deste quadro, a citada agravante deverá sopesada,
certo? Errado! Consoante a doutrina e jurisprudência penais, referida situação
caracteriza erro na execução (aberratio
ictus), ou seja, um equívoco do réu ao realizar a conduta criminosa, pois
ele almejava atingir uma pessoa, porém acertou outra. Por conseguinte, o
acusado responderá pelo seu intuito, não pelo resultado causado. Formidável,
não? Coitado do criminoso! A culpa, ao que tudo indica, é da vítima!
Analisemos
mais um absurdo jurídico. Imagine a conjuntura: o criminoso arromba a porta de
um residência e furta diversos objetos. Em seguida, escala o muro que separa a
residência do vizinho, invadindo a casa ao lado e subtraindo outros bens
móveis. Não satisfeito, o ladrão supera outra mureta e ingressa no imóvel do
outro vizinho, se apropriando de mais itens. Ele responderá por 3 furtos, cujas
penas serão somadas, certo? Errado! O artigo 71 do Código Penal prevê uma
ficção jurídica denominada crime continuado, isto é, "quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica
dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar,
maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos
como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se
idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de 1/6 a
2/3". Logo, o bandido será responsabilizado por apenas um dos furtos, sendo os
outros considerados como continuação do primeiro, razão pela qual a pena será
somente aumentada nas proporções indicadas. Lógica inexiste, a não ser premiar
o criminoso! Ainda que por via transversa e com a cumplicidade da lei, incentiva-se
a criminalidade. O crime de furto foi utilizado apenas como exemplo, haja vista
que o instituto do crime continuado se aplica a todos os delitos. E mais: os
crimes cometidos sequer precisam de uma sequência temporal breve, tanto é assim
que, se o intervalo entre os delitos forem de até 30 dias, provavelmente será
reconhecida a continuidade delitiva. É justo?
Como
justificar ou explicar supramencionadas incoerências? Que lei é esta que
beneficia o criminoso e desampara o cidadão? Até quando permaneceremos
letárgicos nesse silêncio ensurdecedor?