A globalização que varre o planeta produziu uma série de paradoxos e incertezas para a maioria das pessoas. Aumentaram a produção e comércio mundial; as distâncias entre países e continentes foram encurtadas pelos vôos a jato que alcançam uma velocidade de 1.000 km por hora. Os meios de comunicação via satélite e computadores permitem transações financeiras instantâneas, tirando enorme vantagem das diferenças de fuso-horário.
Seria de esperar que essas maravilhas tecnológicas, além da aproximação geográfica entre os povos, coincidissem com a difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos e, sobretudo, dos padrões de convívio social das sociedades mais abertas, esclarecidas, cooperativas e democráticas.
O panorama da situação real é bem diferente. A globalização acelera, violentamente, os processos de desestruturação das comunidades tradicionais. A industrialização, a expulsão de populações de suas terras e a rápida urbanização nos países, outrora chamados “Terceiro Mundo” e hoje, “Emergentes”, desequilibram e alteram profundamente as relações de homens para homens e dos homens para com a natureza.
A destruição dos laços de solidariedade tradicionais e da estabilidade de famílias e comunidades resulta nas migrações para as cidades, despreparadas política, administrativa e economicamente para absorver as massas de migrantes. Essas ficam encurraladas e segregadas em dezenas de milhares de favelas, sem qualquer perspectiva de romper o “círculo vicioso” da pobreza, ignorância e violência. À medida que indivíduos perdem suas raízes, suas casas, terras, parentes e amigos, cresce o que David Riesman chamou de The Lonely Crowd, A Massa Solitária, que segue como um rebanho de ovelhas seu pastor armado com um cajado, seja ele falso profeta, líder carismático, ou simplesmente demagogo populista, lembrando a obra de Elias Canetti (Massa e Poder). A cada dia, fica mais difícil o indivíduo responder: “quem sou, onde pertenço e qual é meu destino?”
No passado, com relações sociais mais estáveis, seja no regime escravagista ou feudal, os indivíduos nasciam, viviam e morriam dentro de suas comunidades, sua classe e seu credo religioso, fossem eles escravos durante o regime colonial, servos no feudalismo ou operários no sistema capitalista.
As migrações para as grandes cidades destruíram os laços tradicionais de cooperação e solidariedade “mecânica” (segundo E. Durkheim). Esperanças de mobilidade geográfica e social levaram ao abandono do campo, em busca de inserção na economia de mercado, cuja divisão social de trabalho levaria à solidariedade “orgânica” (sempre segundo E. Durkheim). Mas, as cidades, longe de serem lugares de liberdade, se tornam, para muitos dos migrantes, uma armadilha, por falta de acesso a empregos estáveis e serviços de educação e saúde, sobretudo para adolescentes e jovens. Vivendo na miséria, segregados e sem esperança de mobilidade social, os jovens engrossam as fileiras da delinqüência, do narcotráfico, da prostituição e da criminalidade. Concentrada em áreas de extrema pobreza, sem infra-estrutura, educação escolar e serviços de saúde, a vida nas favelas lembra o livro escrito por Jack London, The People of the Abyss – o Povo do Abismo, no início do século passado.
A insegurança e o medo levam também a classe média e as elites a se isolarem e refugiarem atrás de muros e grades, a andarem em carros blindados e a protegerem-se com inúmeros guardas particulares. Mas todas essas medidas não conseguem conter o aumento da violência urbana, particularmente nas metrópoles que se tornaram arenas de conflitos que devoram seus próprios habitantes, lembrando as palavras de Thomas Hobbes – “homo homini lupus”. Confusos, perplexos e perdidos nesse mundo de competição selvagem, é freqüente os indivíduos se interrogarem sobre os rumos da sociedade e de suas vidas.
A falta de perspectiva e a perda dos laços de pertencimento corroem os valores e as instituições tradicionais como pátria, partido, igreja. Esses parecem ignorantes ou descrentes de sua missão civilizatória.
As interrogações sobre o destino e o sentido da vida são próprias da espécie humana desde a Antigüidade. No passado, sacerdotes, filósofos ou governantes tentaram responder a essas perguntas, cujas respostas refletem a rica diversidade cultural da Humanidade.
A Idade da Razão e do Iluminismo, nos séculos XVII e XIX, prometia a emancipação dos indivíduos e, também, o progresso das sociedades. Contudo, perdidos na massa “solitária”, os indivíduos tropeçam, caem e sofrem da angústia existencial, no mundo das incertezas. Os afortunados que conseguem um emprego sofrem do ritmo infernal de trabalho e das exigências cada vez mais duras dos chefes, superiores e executivos que buscam, freneticamente, mais produtividade e competitividade.
Às vezes, os mais “afortunados” entre os deserdados e marginalizados são objeto de um assistencialismo populista que distribui esmolas, como política de “compensação”. Que futuro espera essas populações desenraizadas, desempregadas, desabrigadas e alienadas, nominalmente livres em sociedades de democracia formal? Na realidade crua e nua elas são presas numa malha de relações sociais, em que uma minoria poderosa desemprega, oprime e explora os “de baixo”. As elites econômico-financeiras e políticas usurpam e arrogam-se os direitos de falar e decidir em nome de todos.
Até a OMC – Organização Mundial de Comércio e outras instituições financeiras internacionais, outrora paladinos da liberalização, da abertura dos mercados, em benefício da globalização e de suas “maravilhas” tecnológicas, hoje, admitem que esta pode ser não tão vantajosa para a criação de novos empregos e assim, proporcionar uma qualidade de vida decente para todos, sobretudo nos países pobres e mesmo “emergentes”, nos quais a maioria da população sobrevive vegetando precariamente no setor informal.
As terras, as águas e outras riquezas adquiridas, muitas vezes, ilicitamente, continuam a ser apropriadas e desigualmente distribuídas pelas elites, que ostentam e vivem na opulência, com consumo de luxo e, às vezes, na depravação. Confusos, perplexos e amedrontados pela falta de emprego, pela concentração contínua das indústrias, das terras, das finanças e a destruição impiedosa do meio ambiente, até os membros da classe média se interrogam sobre seu destino e o do mundo. Qual seria a saída do caos, da pobreza e da violência reinantes em nossa sociedade?
Alguns tentam encontrar uma resposta individual, na carreira e na ascensão social. Outros procuram retirar-se, tal como os monges tibetanos e os eremitas seculares, do resto do mundo, praticando a meditação. Outros procuram ingressar nas fileiras da oligarquia reinante, enquanto outros ingressam no submundo do crime de “colarinho branco”, através da corrupção, sonegação de impostos e tributos, até o tráfico e consumo de drogas.
Assim, a busca individual de respostas para os dilemas existenciais é um beco sem saída. Contrariamente à ideologia proclamada e enaltecida pelo regime capitalista, a espécie humana, desde que apareceu no planeta, é gregária, cooperativa e solidária. Para sobreviver, precisamos uns dos outros, para produzir os meios de subsistência e organizar a vida coletiva, na defesa contra desastres naturais e sociais, através do desenvolvimento de uma cultura de cooperação e de paz.
Outrora, os místicos cabalistas, quando pressionados pelos discípulos para explicar o significado da vida e o destino do mundo, costumavam responder com uma parábola: “O mundo todo é uma ponte, uma ponte muito estreita”. De onde ela vem? Não o sabemos. E onde ela nos leva – tampouco sabemos. Mas viver e cumprir a missão existencial significa atravessar a ponte.
Por ser muito estreita, muitos não conseguem subir na ponte e outros caem no abismo ao empreender a longa caminhada, freqüentemente vítimas de conflitos e guerras.
Altas taxas de mortalidade infantil, endemias, epidemias e doenças causadas por subnutrição, ou ingestão de substâncias tóxicas, ceifam a vida de milhões a cada ano. O desamparo e a dispersão devido à migração de famílias são agravadas por desemprego ou subemprego e reduzem, dramaticamente, a expectativa de vida de centenas de milhões de pessoas no mundo.
Para procurarmos, coletivamente, um sentido para nossa vida, devemos, primeiro, definir “que tipo de sociedade queremos?”. Somente quando tivermos visão e clareza sobre os rumos e o significado da vida, poderemos participar da construção de pontes para todos os seres humanos, independentemente de idade, credo religioso, gênero, classe social, raça ou cor. Assim, criaremos um mundo de bem estar, harmônico, justo e solidário para todos.