domingo, 6 de dezembro de 2009

Por que as pessoas gritam? (Mahatma Gandhi)

Um dia, um pensador indiano fez a seguinte pergunta a seus discípulos:
– Por que as pessoas gritam quando estão aborrecidas?
– Gritamos porque perdemos a calma, disse alguém.
– Mas, por que gritar quando a outra pessoa está ao seu lado? - questionou novamente o pensador.
– Bem, gritamos porque desejamos que a outra pessoa nos ouça, retrucou outro discípulo.

E o mestre volta a perguntar:
– Então não é possível falar-lhe em voz baixa?

Várias outras respostas surgiram, mas nenhuma convenceu o pensador. Então ele esclareceu:
“Vocês sabem porque se grita com uma pessoa quando se está aborrecida? O fato é que, quando duas pessoas estão aborrecidas, seus corações se afastam muito. Para cobrir esta distância precisam gritar para poderem escutar-se mutuamente. Quanto mais aborrecidas estiverem, mais forte terão que gritar para ouvir um ao outro, através da grande distância.

Por outro lado, o que sucede quando duas pessoas estão enamoradas? Elas não gritam. Falam suavemente. E por quê? Porque seus corações estão muito perto. A distância entre elas é pequena. Às vezes estão tão próximos seus corações, que nem falam, somente sussurram. E quando o amor é mais intenso, não necessitam sequer sussurrar, apenas se olham, e basta. Seus corações se entendem. É isso que acontece quando duas pessoas que se amam estão próximas”.

Por fim, o pensador conclui, dizendo:
“Quando vocês discutirem, não deixem que seus corações se afastem, não digam palavras que os distanciem mais, pois chegará um dia em que a distância será tanta que não mais encontrarão o caminho de volta”.

domingo, 1 de novembro de 2009

Semear (Anônimo)

Quem planta sementes, colhe alimento.
Quem planta flores, colhe perfume.
Quem semeia trigo, colhe pão.
Quem planta amor, colhe amizade.
Quem semeia alegria, colhe felicidade.
Quem semeia a fé, colhe a certeza.
Quem semeia carinho, colhe gratidão.
Quem semeia a verdade, colhe a confiança.

No entanto,
Há quem prefira semear tristeza e colher amargura.
Plantar discórdia e colher solidão.
Semear vento e colher tempestade.
Plantar ira e colher inimizade.
Plantar injustiça e colher abandono...

Somos todos semeadores conscientes no campo da vida, pois, diariamente, espalhamos milhões de sementes ao nosso redor.

Saibamos escolher sempre as melhores, para que ao recebermos a dádiva da colheita farta, tenhamos apenas motivos para agradecer...

domingo, 4 de outubro de 2009

Morrer é preciso (Fernando Pessoa)

Nós estamos acostumados a ligar a palavra morte apenas à ausência de vida e isso é um erro. Existem outros tipos de morte. E precisamos morrer todos os dias. A morte nada mais é do que uma passagem, uma transformação.

Não existe planta sem a morte da semente, não existe embrião sem a morte do óvulo e do esperma, não existe borboleta sem a morte da lagarta, isso é óbvio, a morte nada mais é que o ponto de partida para o início de algo novo, a fronteira entre o passado e o futuro.

Se você quer ser um bom universitário, mate dentro de você o secundarista aéreo que acha que ainda tem muito tempo pela frente. Quer ser um bom profissional? Então mate dentro de você o universitário descomprometido que acha que a vida se resume a estudar só o suficiente para fazer as provas. Quer ter um bom relacionamento? Então mate dentro de você o jovem inseguro, ciumento, crítico, exigente, imaturo, egoísta ou o solteiro solto que pensa que pode fazer planos sozinho, sem ter que dividir espaços, projetos e tempo com mais ninguém.

Quer ter boas amizades? Então mate dentro de si a pessoa insatisfeita e descompromissada, que só pensa em si mesmo. Mate a vontade de tentar manipular as pessoas de acordo com a sua conveniência. Respeite seus amigos, colegas de trabalho e vizinhos, enfim todo processo de evolução exige que matemos o nosso "eu" passado, inferior.

E qual o risco de não agirmos assim? O risco está em tentarmos ser duas pessoas ao mesmo tempo, perdendo o nosso foco, comprometendo nossa produtividade e, por fim, prejudicando nosso sucesso.

Muitas pessoas não evoluem porque ficam se agarrando ao que eram, não se projetam para o que serão ou desejam ser. Elas querem a nova etapa, sem abrir mão da forma como pensavam ou como agiam. Acabam se transformando em projetos inacabados, híbridos, adultos infantilizados.

Podemos até agir, às vezes, como meninos, de tal forma que mantemos as virtudes de criança, que também são necessárias a nós adultos, como: brincadeiras, sorriso fácil, vitalidade, criatividade, tolerância, etc. Mas, se quisermos ser adultos, devemos necessariamente matar atitudes infantis, para passarmos a agir como adultos.

Quer ser alguém (líder, profissional, pai ou mãe, cidadão ou cidadã, amigo ou amiga) melhor e evoluído? Então, o que você precisa matar em si, ainda hoje, é o "egocentrismo", para que nasça o ser que você tanto deseja ser.

Pense nisso e morra. Mas, não esqueça de nascer melhor ainda.

O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem, por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.

domingo, 6 de setembro de 2009

Palavras ao vento (Armando Correa de Siqueira Neto)

Como de costume, as críticas contra os políticos mantêm-se vigorosas. A população irritada ataca seus "ovos e tomates podres" sobre aqueles que pintam e bordam com o dinheiro público. Algumas entidades também se manifestam na mesma direção. Entretanto, elas poetizam através de discursos tão pomposos quanto pálidos e de empobrecido alcance. Penso cá com os meus botões: são palavras ao vento, são letras feitas na areia da praia. Como de hábito, muito se fala e pouco se faz. Os resultados não vingam e o desgaste e a descrença vicejam.

Não sugiro, contudo, que se deixe de falar o que se tem em mente. Seria impossível, pois na hora da raiva, não há quem detenha a explosão que faz vomitar o bolo de escândalos atravessado na garganta. A expressão não é apenas um direito social, ela é também uma maneira de se trocar impressões que podem estimular a reflexão e o desenvolvimento pessoal. Logo, a sua importância é inquestionável e merece ampla defesa.

O que falta, todavia, é a concretização do que se pensou e falou. Que razões impedem a sociedade de se organizar melhor e direcionar parte da sua energia à análise crítica acerca do assunto, ao planejamento e ao empreendimento, legal, dos atos que levem ao ajuste dos equívocos tão escancaradamente expostos no quadro político? Por que pouco se cobram os políticos que foram democraticamente eleitos para representar toda a sociedade? Eles, por ventura, são blindados? O seu poder sobrepuja toda a população? Afinal, quem elege quem?

Não adianta apenas protestar. Palavras ao vento não modificarão o cenário. Mexa-se. Não se intimide, nem se acomode.

Fortifique o seu voto desde bem antes de as eleições chegarem. Elas começam, de verdade, quando o cidadão decide estudar com seriedade os passos dados por cada político durante a sua gestão. Mantenha-se atento às notícias pelos variados canais de comunicação. Pondere a respeito. Extraia conclusões próprias e discuta-as com conhecidos, procurando muito mais ouvir e compreender do que falar e impor.

A democracia é um exercício que, quando mal praticado, faz enrijecer o diálogo e torna-se uma porta aberta ao autoritarismo e egoísmo. Por hora, precisamos de uma boa dose de sabedoria e altruísmo que nos conduzam ao bem-comum. Faça a sua parte. Só nós podemos dar jeito na questão.

domingo, 2 de agosto de 2009

Mulheres vítimas de violência estão mais conscientes de seus direitos (Rodrigo Augusto Prando)

O aumento de 125% nas denúncias de casos de estupro registrados pelo Disque Denúncia do Rio de Janeiro nos leva a uma reflexão em duas principais dimensões.

Em primeiro lugar, o estupro e outras violências contra as mulheres têm, infelizmente, ainda hoje, forte ligação com nossa formação social. A sociedade brasileira assentou-se numa dinâmica que priorizou por muito tempo a família patriarcal e, no bojo desta, o poder do homem. Um indicativo pode ser visualizado no mundo jurídico. Não faz muito, era frequente a tese de que um homem pudesse matar a esposa em “legítima defesa de sua honra”.

As agressões relacionadas ao gênero carregam muito de conteúdo social, de aceitação do machismo por parte da sociedade, seja em pequenos chistes ou em casos mais grosseiros e graves. O pior, nessa ótica equivocada, é transferir à mulher a culpa pela situação.

A outra dimensão que nos leva a refletir diz respeito aos números apresentados pelo Disque Denúncia. Não se pode afirmar peremptoriamente que haja relação direta entre o número de denúncias e o aumento global dos casos de estupro. Isso demandaria uma pesquisa de mais fôlego. Há algo de positivo nesses números: as mulheres vítimas de violência (estupros ou outras formas de agressão) estão mais conscientes de seus direitos e perdem paulatinamente o medo de denunciar seus agressores.

É sabido que muitas vezes estes se encontram na família ou são próximos das vítimas. A falta de denúncia das agressões sofridas pode ser compreendida, por um lado, pela tentativa de não tornar a sociabilidade da família ou do grupo de convivência disfuncional; por outro lado, uma constante sensação de impunidade reinante desestimularia a denúncia.

De todo modo, se esses números de denúncias indicarem o aumento de consciência de direitos e deveres, por parte não só das mulheres, mas de toda a sociedade, vale a pena ressaltar a mudança como um fato positivo. O Brasil vem, cada vez mais, consolidando (com alguns retrocessos, é verdade) sua democracia.

Trazer a democracia à tona é ultrapassar a visão do senso comum de que seria suficiente votar, escolher os representantes no Executivo e Legislativo. Na verdade, a democracia deve ser exercida nas esferas mais íntimas da vida: na educação dos filhos, no diálogo entre as diferenças e na vida sexual.

domingo, 5 de julho de 2009

Um grande homem (Anônimo)

Nós homens nos caracterizamos por ser o sexo forte, embora muitas vezes caiamos por debilidade.

Um dia, minha irmã chorava em sua casa.. Com muita saudade, observei que meu pai chegou perto dela e perguntou o motivo de sua tristeza.

Escutei-os conversando por horas, mas houve uma frase tão especial que meu pai disse naquela tarde, que até o dia de hoje ainda me recordo a cada manhã e que me enche de força.

Meu pai acariciou o rosto dela e disse: “Minha filha, apaixone-se por um grande homem e nunca mais voltará a chorar".

Perguntei-me tantas vezes, qual era a fórmula exata para chegar a ser esse grande homem e não deixar-me vencer pelas coisas pequenas.

Com o passar dos anos, descobri que se tão somente todos nós homens lutássemos por ser grandes de espírito, grandes de alma e grandes de coração, o mundo seria completamente diferente!

Aprendi que um grande homem não é aquele que compra tudo o que deseja, porque muitos de nós compramos com presentes a afeição e o respeito aqueles que nos cercam.

Meu pai lhe dizia: "Não se apaixone por um homem que só fale de si mesmo, de seus problemas, sem preocupar-se com você... Enamore-se de um homem que se interesse por você , que conheça suas forças, suas ilusões, suas tristezas e que a ajude a superá-las.

"Não creia nas palavras de um homem quando seus atos dizem o oposto. Afaste de sua vida um homem que não constrói com você um mundo melhor. Ele jamais sairá do seu lado, pois você é a sua fonte de energia. Foge de um homem enfermo espiritual e emocionalmente, é como um câncer, matará tudo o que há em você (emocional, mental, física, social e economicamente).

"Não dê atenção a um homem que não seja capaz de expressar seus sentimentos, que não se ame saudavelmente. Não se agarre a um homem que não seja capaz de reconhecer sua beleza interior e exterior e suas qualidades morais. Não deixe entrar em sua vida um homem a quem tenha que adivinhar o que quer, porque não é capaz de se expressar abertamente. Não se enamore de um homem que ao conhecê-lo, sua vida tenha se transformado em um problema a resolver e não em algo para desfrutar”.

“Não creia em um homem que tenha carências afetivas de infância e que trata de preenchê-las com a infidelidade, culpando-a, quando o problema não está em você, e sim nele, porque não sabe o que quer da vida, nem quais são suas prioridades”.

Por que querer um homem que a abandonará se você não for como ele pretendia, ou se já não é mais “útil”? Por que querer um homem que a trocará por um cabelo ou uma cor de pele diferente, ou por uns olhos claros, ou por um corpo mais esbelto?

Por que querer um homem que não saiba admirar a beleza que há em você, a verdadeira beleza: a do coração?

Quantas vezes me deixei levar pela superficialidade das coisas, deixando de lado aqueles que realmente me ofereciam sua sinceridade e integridade e dando mais importância a quem não valorizava meu esforço?

Custou-me muito compreender que grande homem não é aquele que chega no topo, nem o que tem mais dinheiro, casa, automóvel, nem quem vive rodeado de mulheres, nem muito menos o mais bonito.

Um grande homem é aquele ser humano transparente, que não se refugia atrás de cortinas de fumaça, é o que abre seu coração sem rejeitar a realidade, é quem admira uma mulher por seus alicerces morais e grandeza interior.

Um grande homem é o que caminha de frente, sem baixar os olhos; é aquele que não mente, embora às vezes perca por falar a verdade e, sobretudo, um grande homem é o que sabe chorar sua dor sem fugir dela.

Um grande homem é o que cai e tem a suficiente força para levantar-se e seguir lutando…

Hoje minha irmã está casada e feliz. Esse grande homem com quem se casou, não era nem o mais popular, nem o mais solicitado pelas mulheres, nem o mais rico ou o mais bonito.

Esse grande homem é simplesmente aquele que nunca a fez chorar. É quem no lugar de lágrimas lhe roubou sorrisos…

Sorrisos por tudo que conquistaram juntos, pelos triunfos alcançados, por suas lindas recordações e por aquelas tristes lembranças que souberam superar, por cada alegria que repartem e pelos 3 filhos que preenchem suas vidas.

Esse grande homem ama tanto a minha irmã que daria o que fosse por ela sem pedir nada em troca...

Esse grande homem a quer pelo que ela é, por seu coração e pelo que são quando estão juntos.

Aprendamos a ser um desses grandes homens, para vivenciar os anos junto de uma grande mulher e nada nem ninguém nos poderá vencer!

domingo, 7 de junho de 2009

Curso de escutatória (Rubem Alves)

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular.

Escutar é complicado e sutil. Diz Alberto Caeiro que "não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma". Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia. Parafraseio o Alberto Caeiro: "Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma".

Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...

Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios. Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. (Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, abrindo vazios de silêncio, expulsando todas as idéias estranhas.). Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que ele julgava essenciais. São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo a seguir, são duas as possibilidades.

Primeira: "Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado". Segunda: "Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou".

Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: "Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou". E assim vai a reunião. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.

Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência, referindo-se a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar. Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.

domingo, 3 de maio de 2009

Na democracia da chupeta, a ordem é desfrutar (José de Souza Martins)

O uso de recursos públicos para benefícios privados, como neste caso das passagens aéreas pagas pela Câmara para viagens de parentes de parlamentares até para o exterior (e o caso dos celulares), escandaliza muito mais pela surpresa que demonstraram os escandalizantes com o escândalo noticiado. As manobras, legais é bom que se diga, para dar um revestimento de decência e correção ao abusivo bem demonstram quanto se trata do que é tido como direito costumeiro, o direito de abusar. O erro não estaria no conteúdo, mas na forma. Por isso, suas excelências até abrem mão da mordomia, porém recompensando-se com o aumento dos vencimentos.

Não é só o Legislativo que vai além das pernas no uso da coisa pública. O Executivo também abusa. Muitos ainda se lembram de Lula transportando amigos dos filhos em avião do governo para viagem a Brasília e temporada no próprio Palácio da Alvorada, como se o palácio presidencial fosse hotel turístico, pago pelo povo para desfrute de parentes, cupinchas e cortesãos.

Foi o próprio Partido dos Trabalhadores que difundiu o rótulo de maracutaia para definir a pilantragem que se esconde por trás de ações que mostram o supérfluo e escondem o essencial. É relativamente recente o conceito popular de "mordomia" para designar os benefícios pessoais dos que, no poder, estendem por conta própria o elenco dos privilégios associados ao exercício da função pública. Existe até mesmo o hino nacional da mordomia, o Mamãe Eu Quero Mamá, do alagoano José Luís Rodrigues Calasans, o Jararaca, da dupla Jararaca e Ratinho. Embora mais antiga, a música só foi gravada em fins de 1936. É o hino do deboche brasileiro em relação aos que, no poder, ultrapassam o limite da decência no uso do que é público. É o nosso "quero meu dinheiro de volta" do neoliberalismo da sra. Thatcher. Mas aqui, ao contrário, muitos querem entrar na mamata, palavra brasileira que nos diz quão arraigada é entre nós a relação entre poder e desfrute.

O abuso no exercício do poder tem tido seus críticos e adversários, os arautos da decência no cumprimento de mandatos políticos. Mas a nódoa do abuso carimba todos os políticos, até os que não merecem, com a marca destrutiva da rejeição pública da instituição maculada.

A coisa entre nós é antiga e faz parte de uma sólida cultura política que não separa o público do privado. O que inclui a corrupção, o nepotismo, o uso descabido da coisa pública, o clientelismo. São práticas que desfiguram a representação política e reduzem nossa democracia ao meramente teatral, em que quem vota elege quem não foi votado. A cultura da mordomia é a cultura do desprezo pelo eleitor e pelo cidadão, pois é uma prática anticidadã que difunde a concepção de que a política é uma fraude e a representação política é uma trapaça, mesmo que isso seja injusto em relação a muitos políticos.

As práticas todas do clientelismo constituem forma de distribuir favores no varejo para desfrutar privilégios no atacado. Uma coisa legitima a outra, cooptando o eleitor. Essa é uma cultura de minimização do cidadão, forma de atá-lo ao cabresto de um poder que não reconhece nele a republicana condição de sujeito de vontade própria. Muita gente boa entrou nessa. Rui Barbosa, senador da República, foi aquele que disse: "De tanto ver triunfar as nulidades (...) de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto". Mas que desdisse o dito ao escrever um dia ao barão de Jeremoabo, no sertão da Bahia, pedindo-lhe que reservasse todos os votos da região para si. Votos de cabresto, o eleitorado na canga do mandão político, roubado em sua vontade política.

Os truques legais para manutenção da farra do poder têm sido vários. Na República Velha, os políticos inventaram a chamada verificação de poderes. Não bastava ser eleito pela suposta vontade popular. O próprio Legislativo tinha que legitimar o voto e assegurar, ou não, ao eleito que eleito estava. Quem pudesse representar risco ao poder estabelecido e às conveniências internas, que faziam da representação política não uma representação da vontade popular dos cidadãos, mas a legitimação da ordem e dos acordos estabelecidos, tinha pouca possibilidade de assumir o mandato. Foi necessária a Revolução de Outubro de 1930 para romper essa malandra distorção do poder.

A base dessas distorções estava no caráter estamental do poder político. Durante larguíssimo período, na Colônia, só podiam votar e ser votados os chamados "homens bons", limpos de sangue e puros de fé, os senhores de terra e de gente, os chamados "pais da pátria", os bem nascidos. A imensa massa do povo era mal nascida, gente sem qualidade, como se dizia, constituída de escravos indígenas, negros e de pessoas livres, mas consideradas degradadas pela mestiçagem, não raro recenseadas como bastardas. Mesmo os brancos que fossem oficiais de profissões manuais estavam interditados para o poder, porque se atribuía um caráter diabólico e degradante aos trabalhos feitos com as mãos, na ação de trabalhar e transformar. O mundo do bem era o mundo da ordem, cada qual e cada coisa em seu lugar, estamental, as camadas sociais rigidamente superpostas por razões de nascimento. O mundo do trabalho era o mundo subversivo da desordem, da produção, da transformação de coisas em coisas diversas, o mundo da imaginação.

O que estamos presenciando no Brasil, nesses abusos cometidos no âmbito do poder, é justamente a contínua regeneração da sociedade estamental, a reestamentalização do Brasil, o contínuo restabelecimento de uma ordenação social baseada em privilégios. Mesmo que os privilégios já não sejam os do nascimento, como se vê na Presidência, na Câmara e no Senado, ficaram eles "grudados" nas instituições, de modo que quem lá chega, em vez lutar para revogá-los e democratizar a concepção do mandato político, trata de agarrar-se a eles. Sentem-se mais eleitos para desfrutar do que para representar.

domingo, 5 de abril de 2009

A excomunhão da vítima (Miguezim de Princesa)

I
Peço à musa do improviso
Que me dê inspiração
Ciência e sabedoria,
Inteligência e razão,
Peço que Deus que me proteja
Para falar de uma igreja
Que comete aberração.

II
Pelas fogueiras que arderam
No tempo da Inquisição,
Pelas mulheres queimadas
Sem apelo ou compaixão,
Pensava que o Vaticano
Tinha mudado de plano,
Abolido a excomunhão.

III
Mas o bispo Dom José,
Um homem conservador,
Tratou com impiedade
A vítima de um estuprador,
Massacrada e abusada,
Sofrida e violentada,
Sem futuro e sem amor.

IV
Depois que houve o estupro,
A menina engravidou.
Ela só tem nove anos,
A Justiça autorizou
Que a criança abortasse
Antes que a vida brotasse
Um fruto do desamor.

V
O aborto, já previsto
Na nossa legislação,
Teve o apoio declarado
Do ministro Temporão,
Que é médico bom e zeloso,
E mostrou ser corajoso
Ao enfrentar a questão.

VI
Além de excomungar
O ministro Temporão,
Dom José excomungou
Da menina, sem razão,
A mãe, a vó e a tia
E se brincar puniria
Até a quarta geração.

VII
É esquisito que a igreja,
Que tanto prega o perdão,
Resolva excomungar médicos
Que cumpriram sua missão
E num beco sem saída
Livraram uma pobre vida
Do fel da desilusão.

VIII
Mas o mundo está virado
E cheio de desatinos:
Missa virou presepada,
Tem dança até do pepino,
Padre que usa bermuda,
Deixando mulher buchuda
E bolindo com os meninos.

IX
Milhões morrendo de Aids:
É grande a devastação,
Mas a igreja acha bom
Furunfar sem proteção
E o padre prega na missa
Que camisinha na lingüiça
É uma coisa do Cão.

X
E esta quem me contou
Foi Lima do Camarão:
Dom José excomungou
A equipe de plantão,
A família da menina
E o ministro Temporão,
Mas para o estuprador,
Que por certo perdoou,
O arcebispo reservou
A vaga de sacristão.

domingo, 1 de março de 2009

Rubens Barrichello, a Fórmula 1 e o senso de justiça (Bruno Kazuhiro)

Eu sei que os leitores poderão se perguntar o que uma postagem que fala sobre Rubens Barrichello tem a ver com um blog que prioriza a política como tema. A resposta é que realmente são assuntos que não tem nenhuma correlação aparente e que estou apenas usando algumas linhas do blog para expressar minha opinião sobre o piloto. Acredito que muitos leitores possam, como eu, se interessar por Fórmula 1 nas horas vagas, como hobby. Aos que não se interessarem, me desculpem, desconsiderem essa postagem.

Dito isso, passemos a falar de Rubinho. Seria difícil para mim expressar corretamente o que senti quando soube que o piloto continuaria a correr na maior categoria do automobilismo mundial. Não é felicidade, não é alívio, é algo mais relacionado a um sentimento de que a justiça foi feita.

Para mim, Rubens Barrichello está longe de ser um covarde ou um azarado, como muitos o pintam. Em minha opinião, Barrichello é um injustiçado, um grande piloto, um exímio motorista, que teve como país de nascença um local onde ser o segundo colocado no maior campeonato do mundo é motivo de chacota.

Barrichello merece sim, reverências. Barrichello deve sim, ser respeitado. Não é qualquer piloto brasileiro que chega a ser duas vezes vice-campeão mundial de Fórmula 1, não é qualquer pessoa que resiste corajosamente e com um sorriso no rosto a ver seu nome ser manchado injustificadamente.

O caso de Michael Schumacher é emblemático. Rubinho era, sim, obrigado a ceder espaço ao alemão. A vitória só poderia ser do brasileiro se o alemão não a pudesse mais obter. Nesse momento aparecem as questões dos críticos sobre o porquê de Barrichello ter aceitado tais condições. Ora bolas, Barrichello viu na Ferrari a oportunidade de uma vida, era a melhor escuderia, com o melhor carro. O erro de Barrichello não foi se submeter a Schumacher, isso não estava nos planos, ele não foi para a Ferrari para ficar à sombra, o erro dele foi achar que conseguiria cavar seu espaço dentro da equipe italiana, o que nunca conseguiu. E esse erro ele admite, para quem quiser ouvir.

Visto que nunca teria chance de ser o piloto que queria ser dentro da Ferrari, Rubens se desmotivou e a mudança para a Honda foi um movimento em busca do retorno dessa motivação. O carro, muito ruim, atrapalhou demais, porém, Rubinho não esmoreceu. Manteve-se guiando, se manteve em forma, se manteve acreditando.

Recentemente, a Honda esteve em vias de fechar as portas e Rubinho nem mesmo tinha a garantia de continuar na equipe caso ela não o fizesse. No fim das contas, a equipe foi assumida pelo diretor Ross Brawn, conhecido de Rubinho desde os tempos da Ferrari. Rubinho foi mantido, não só pelo talento e pela experiência, como também, com certeza, pela noção de Brawn de que assim a justiça estaria sendo feita.

A verdade é que Barrichello merece mais do que já conseguiu, Barrichello é quem me faz assistir as corridas nos domingos. É ele, e não Massa, que me faz pular do sofá quando um bom resultado é obtido ou uma boa volta é marcada no treino de classificação.

Meu senso de justiça me diz que é Barrichello quem merece minha torcida. Barrichello tem, esse ano, mais uma chance de provar ser um piloto merecedor de glórias maiores do que as que já obteve. Bons resultados com a novata Brawn provarão isso. Por mais que as tais glórias não sejam obtidas.

Saibam os leitores que leram até aqui que este blogueiro estará em frente à televisão, todo domingo, torcendo por um carro que não é o melhor, o mais bonito ou o mais rápido, e sim, o mais emocionante.

Cresci torcendo por Barrichello, assim como cresci torcendo pelo futuro do Brasil. Não mudarei nisso jamais.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Como combater o racismo (Anônimo)

A cena abaixo descrita aconteceu em um vôo da British Airways entre Johannesburgo (África do Sul) e Londres (Inglaterra).

Uma mulher branca, de aproximadamente 50 anos, chegou ao seu lugar na classe econômica e viu que estava ao lado de um passageiro negro. Visivelmente perturbada, chamou a comissária de bordo.

– Qual o problema, senhora?, perguntou a comissária.
– Não está vendo? – respondeu a senhora – vocês me colocaram ao lado de um negro. Não posso ficar aqui. Você precisa me dar outro assento.
– Por favor, acalme-se – disse a aeromoça – infelizmente, todos os lugares estão ocupados. Porém, vou ver se ainda temos algum disponível.

A comissária se afasta e volta alguns minutos depois.
– Senhora, como eu disse, não há nenhum outro lugar livre na classe econômica. Falei com o comandante e ele confirmou que não temos mais nenhum lugar nem mesmo na classe econômica. Temos apenas um lugar na primeira classe.

E antes que a mulher fizesse algum comentário, a comissária continua:
– Veja, é incomum que a nossa companhia permita a um passageiro da classe econômica se assentar na primeira classe. Porém, tendo em vista as circunstâncias, o comandante pensa que seria escandaloso obrigar alguém a viajar ao lado de uma pessoa desagradável.

E, dirigindo-se ao senhor negro, a comissária prosseguiu:
– Portanto, senhor, caso queira, por favor, pegue a sua bagagem de mão, pois reservamos para o senhor um lugar na primeira classe...

E todos os passageiros próximos, que, estupefatos, assistiam à cena, começaram a aplaudir, alguns de pé.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Encerrando ciclos (Fernando Pessoa)

Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final.

Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver. Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos — não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram.

Foi despedido do trabalho? Terminou uma relação? Deixou a casa dos pais? Partiu para viver em outro país? A amizade tão longamente cultivada desapareceu sem explicações?

Você pode passar muito tempo se perguntando por que isso aconteceu. Pode dizer para si mesmo que não dará mais um passo enquanto não entender as razões que levaram certas coisas, que eram tão importantes e sólidas em sua vida, serem subitamente transformadas em pó.

Mas tal atitude será um desgaste imenso para todos: seus pais, seu marido ou sua esposa, seus amigos, seus filhos, sua irmã, todos estarão encerrando capítulos, virando a folha, seguindo adiante, e todos sofrerão ao ver que você está parado.

Ninguém pode estar ao mesmo tempo no presente e no passado, nem mesmo quando tentamos entender as coisas que acontecem conosco. O que passou não voltará: não podemos ser eternamente meninos, adolescentes tardios, filhos que se sentem culpados ou rancorosos com os pais, amantes que revivem noite e dia uma ligação com quem já foi embora e não tem a menor intenção de voltar. As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas realmente possam ir embora.

Por isso é tão importante (por mais doloroso que seja!) destruir recordações, mudar de casa, dar muitas coisas para orfanatos, vender ou doar os livros que tem. Tudo neste mundo visível é uma manifestação do mundo invisível, do que está acontecendo em nosso coração — e o desfazer-se de certas lembranças significa também abrir espaço para que outras tomem o seu lugar. Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se. Ninguém está jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às vezes perdemos. Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam seu amor. Pare de ligar sua televisão emocional e assistir sempre ao mesmo programa, que mostra como você sofreu com determinada perda: isso o estará apenas envenenando, e nada mais.

Não há nada mais perigoso que rompimentos amorosos que não são aceitos, promessas de emprego que não têm data marcada para começar, decisões que sempre são adiadas em nome do “momento ideal”. Antes de começar um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: diga a si mesmo que o que passou, jamais voltará. Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo, sem aquela pessoa — nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade. Pode parecer óbvio, pode mesmo ser difícil, mas é muito importante.

Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida. Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é.

Torna-te uma pessoa melhor e assegura-te de que sabes bem quem és tu próprio, antes de conheceres alguém e de esperares que ele veja quem tu és. E lembra-te: tudo o que chega, chega sempre por alguma razão.