Após
a veiculação de algumas notícias locais, quais sejam, de um crime de elevada
repercussão da década de 90 e de um abuso sexual ocorrido há mais de 20 anos,
decidi retomar essa série de artigos, destinada a abordar as principais (já que
são muitas) aberrações de nossa legislação penal. Afinal, em sobreditos delitos
a impunidade será vitoriosa, já que existe um nefasto instituto penal: a
prescrição.
O
artigo 109 do Código Penal estipula os prazos prescricionais, que variam
conforme o máximo da pena privativa de liberdade abstratamente cominada ao
crime. Os prazos previstos são de 3, 4, 8, 12, 16 ou 20 anos e, uma vez
constatados, ensejam a extinção da punibilidade (leia-se geram a impunidade). Alega-se
que a prescrição é necessária porque não pode pairar sobre o acusado uma
permanente ameaça de penalidade, bem como para evitar a ineficiência do Estado.
Muito comovente! Ou seria constrangedor?
Por
sua vez, a Constituição Federal prevê duas exceções à prescrição: o racismo
(artigo 5º, XLII) e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a
ordem constitucional e o Estado Democrático (artigo 5º, XLIV). No mais, a
prescrição se aplica a todas as demais infrações penais, inclusive os crimes
hediondos. Não é incrível?
Imagine
a situação: uma pessoa comete um homicídio qualificado e empreende fuga, se
escondendo por 20 anos. Transcorrido tal período ela regressa e confessa o
delito. Entretanto, nada poderá ser feito em seara penal, pois o crime estará
prescrito. Isso é justiça?
Existe
explicação plausível que justifique o fato de 2 crimes serem imprescritíveis e
os outros não? Alguém considera a ação de grupos armados ou o racismo mais
grave que um homicídio, um estupro ou um roubo, por exemplo? Um cidadão
assassinado não retorna do além e o trauma de uma vítima, não raro, permanece por
toda a sua existência. Por que o cidadão trabalhador pode ter a constante
ameaça de ser o próximo alvo dos facínoras e os marginais não podem ter a eterna
intimidação da punição?
A
meu ver a prescrição possui uma única e pérfida finalidade: propiciar a
impunidade, especialmente das classes mais abastadas. Com efeito, um indivíduo
de boas posses poderá contratar bons advogados que se dedicarão em sua causa,
interpondo inúmeros recursos protelatórios (vide os embargos infringentes em
discussão no STF), até o advento da prescrição, que extinguirá o respectivo
processo. Se isso não for o bastante e for eventualmente condenado, então o réu
endinheirado poderá fugir do país e permanecer no exílio até sobrevir a
prescrição, quando então voltará livre, leve e solto, sem quaisquer possibilidades
de prisão.
O
brilhante Rui Barbosa afirmava: "Justiça tardia não é justiça, senão injustiça
qualificada e manifesta". O que dizer quando a justiça sequer é feita?