domingo, 22 de setembro de 2013

Aberrações de nossa legislação penal – Parte 3 (Bruno Momesso Bertolo)


Após a veiculação de algumas notícias locais, quais sejam, de um crime de elevada repercussão da década de 90 e de um abuso sexual ocorrido há mais de 20 anos, decidi retomar essa série de artigos, destinada a abordar as principais (já que são muitas) aberrações de nossa legislação penal. Afinal, em sobreditos delitos a impunidade será vitoriosa, já que existe um nefasto instituto penal: a prescrição.

O artigo 109 do Código Penal estipula os prazos prescricionais, que variam conforme o máximo da pena privativa de liberdade abstratamente cominada ao crime. Os prazos previstos são de 3, 4, 8, 12, 16 ou 20 anos e, uma vez constatados, ensejam a extinção da punibilidade (leia-se geram a impunidade). Alega-se que a prescrição é necessária porque não pode pairar sobre o acusado uma permanente ameaça de penalidade, bem como para evitar a ineficiência do Estado. Muito comovente! Ou seria constrangedor?

Por sua vez, a Constituição Federal prevê duas exceções à prescrição: o racismo (artigo 5º, XLII) e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (artigo 5º, XLIV). No mais, a prescrição se aplica a todas as demais infrações penais, inclusive os crimes hediondos. Não é incrível?

Imagine a situação: uma pessoa comete um homicídio qualificado e empreende fuga, se escondendo por 20 anos. Transcorrido tal período ela regressa e confessa o delito. Entretanto, nada poderá ser feito em seara penal, pois o crime estará prescrito. Isso é justiça?

Existe explicação plausível que justifique o fato de 2 crimes serem imprescritíveis e os outros não? Alguém considera a ação de grupos armados ou o racismo mais grave que um homicídio, um estupro ou um roubo, por exemplo? Um cidadão assassinado não retorna do além e o trauma de uma vítima, não raro, permanece por toda a sua existência. Por que o cidadão trabalhador pode ter a constante ameaça de ser o próximo alvo dos facínoras e os marginais não podem ter a eterna intimidação da punição?

A meu ver a prescrição possui uma única e pérfida finalidade: propiciar a impunidade, especialmente das classes mais abastadas. Com efeito, um indivíduo de boas posses poderá contratar bons advogados que se dedicarão em sua causa, interpondo inúmeros recursos protelatórios (vide os embargos infringentes em discussão no STF), até o advento da prescrição, que extinguirá o respectivo processo. Se isso não for o bastante e for eventualmente condenado, então o réu endinheirado poderá fugir do país e permanecer no exílio até sobrevir a prescrição, quando então voltará livre, leve e solto, sem quaisquer possibilidades de prisão.

O brilhante Rui Barbosa afirmava: "Justiça tardia não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta". O que dizer quando a justiça sequer é feita?