domingo, 28 de dezembro de 2008

Receita de Ano Novo (Carlos Drummond de Andrade)

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens? passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Crime passional não ocorre por impulso (Luiza Nagib Eluf)

Depois de cem horas em cativeiro, acompanhadas de perto por toda a população brasileira pelo rádio, televisão e jornais, terminou o cárcere privado da menina Eloá Cristina Pimentel, assassinada por seu ex-namorado Lindemberg Alves, pondo fim a mais essa crônica de uma morte anunciada. Eloá não foi um caso isolado de homicídio passional. Foi, apenas, mais um.

Importa esclarecer que passionalidade não se confunde com violenta emoção. O termo "passional" deriva de paixão, que é diferente de emoção e de amor. Não é um homicídio de impulso, ao contrário, é detalhadamente planejado, exatamente como fez Lindemberg. Ele foi à casa de Eloá preparado para acertar as contas, armado até os dentes para fazer o que fosse necessário a fim de alcançar o seu objetivo: vingança. O intento era eliminar a moça para aliviar os sentimentos de rejeição e de masculinidade ferida que o atormentavam.

Por essa razão, a negociação que se estabeleceu durante todo o período de cativeiro não teria a menor chance de prosperar. Lindemberg não queria dinheiro, não queria garantir sua fuga. Pretendia matar Eloá e qualquer outra pessoa que se interpusesse no seu caminho. Evidentemente, Lindemberg premeditou todos os seus passos. Eloá foi pega de surpresa e tornou-se cativa sem muito esforço.

O crime passional até pode resultar de um impulso no caso de o agressor ser surpreendido por uma situação inusitada e reagir imediatamente, sem tempo para pensar. Um exemplo disso seria o marido chegar em casa e surpreender sua mulher na cama com outro homem. Tomado de espanto e fúria homicida, poderia reagir de forma impensada, resultante de violenta emoção, logo após injusta provocação da vítima. Ainda assim, teríamos que considerar o fato da mulher estar na cama com outro como sendo "injusta provocação", o que é discutível, tendo em vista que a intenção de quem pratica um ato sexual não é necessariamente provocar alguém.

É crucial entender melhor o crime passional e a força que move seu autor. Por que o homem precisa matar a mulher que o rejeita? Não seria suficiente separar-se dela e arrumar outra? Por que tantos homens aparentemente normais e pacíficos reagem de forma brutal e rancorosa quando são desprezados ou simplesmente substituídos? Foi assim com Pimenta Neves e Sandra Gomide, Doca Street e Ângela Diniz, Lindomar Castilho e Eliane de Gramont, Euclides da Cunha e Ana Ribeiro. São numerosos os casos de homicídio passional ao longo da história de nosso país, mas muito pouco se discute sobre eles.

Na conduta do criminoso passional encontra-se embutida uma causa exógena, ou seja, uma pressão social para que ele não aceite a autodeterminação da mulher. Além do fato em si de ter sido desprezado, o passional preocupa-se em mostrar aos amigos e familiares que ainda continua no comando de sua relação amorosa e que castigou com rigor aquela que ousou desafiá-lo. É a face deplorável do machismo. Por essa razão, o sujeito comete o crime na presença de testemunhas e, depois, confessa a autoria do delito sem rodeios e em detalhes. Para ele, praticar o ajuste de contas e não demonstrá-lo publicamente de nada adianta.

Nosso Código Penal não define o que é "crime passional", nem faz previsão expressa desse tipo. A doutrina é que assim denomina a conduta do homem que mata a mulher por suspeita de infidelidade. É importante mostrar que o homicídio passional, em regra, é qualificado, não, privilegiado. Qualificado pelo motivo que é torpe (vingança), pelo uso de recurso que dificulta ou impede a defesa da vítima (surpresa), pelo emprego de meio cruel (vários tiros ou facadas no rosto, no abdome, na virilha). Não é privilegiado porque, na grande maioria dos casos, o agente não se encontra sob o domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima. O sujeito pode, até, estar sentindo uma forte emoção no momento do crime, mas é uma emoção que foi sendo depurada e aumentada ao longo do tempo. Ou seja, o agente teve a oportunidade de pensar melhor, de procurar acalmar-se para evitar o crime, mas deliberadamente não o fez. Tomado de ódio, e apesar de todas as conseqüências de seu ato, que ele bem conhece, decide matar e trama sua ação de forma a emboscar a vítima.

É evidente que o passional vai dizer que "matou por amor, movido por impulso incontrolável". Com todas as provas contra si, nada lhe resta a declarar. No entanto, é óbvio que ninguém mata por amor e que a premeditação exclui a violenta emoção prevista no parágrafo 1º do art. 121 do Código Penal. Lindemberg, durante as conversas que manteve com o irmão da moça e que foram gravadas pela polícia, informou que "estava com ódio de Eloá, que não conseguia nem olhar para a cara dela". É claro. Se não se sentisse assim, por que iria matá-la?

domingo, 14 de dezembro de 2008

Por que o sonho do casamento se transforma num pesadelo inexplicável? (Rosana Braga)

Por mais que os tempos tenham mudado, é preciso admitir: muitas pessoas ainda apostam no casamento como uma oportunidade de ser feliz ao lado da pessoa amada. Homens e mulheres decidem viver juntos para que possam desfrutar de intimidade, alegrias, responsabilidades, amor, filhos, enfim, para que possam constituir uma família e se sentirem realizados, amparados e, de certa forma, até protegidos. Sim, porque apesar das pessoas continuarem se casando, a cada dia me parece que esta é uma condição em extinção. Nunca foi tão grande o número de divórcios, sem falar nos que se arrastam por anos a fio em casamentos falidos.

Por outro lado, existem também aquelas pessoas que abominam o casamento de tal forma que parecem estar fugindo da morte. Não acreditam, em hipótese alguma, que possa haver sequer um casamento satisfatório, uma relação enriquecedora, um amor que tenha sobrevivido às armadilhas da convivência diária.

Mas a verdade é que realmente existem casamentos que se transformam num martírio, numa tortura e chegam à beira do insuportável. No entanto, é também absolutamente verdade que existem casamentos felizes, casais que se complementam, que realizam grandes conquistas juntos e que se amam cada vez mais!

Então, qual é a diferença entre um caso e outro? Por que alguns casamentos dão certo e outros causam tanto sofrimentos aos envolvidos? Por que alguns casais conseguem se entender e outros parecem viver em função de se agredir, se provocar e se destruir?

Bom, eu começaria dizendo que, salvo raras exceções, não acredito que duas pessoas se casem já com esta intenção. Sendo assim, me parece que os problemas surgem com o tempo, com um desentendimento bobo hoje, uma desavença sem muita importância amanhã, mais uma cobrança, outra crítica, o cansaço, a falta de dinheiro, o filho que adoece, enfim, pequenas situações que, juntas, se transformam em mágoas, em falta de paciência, de afeto, de compreensão e, por fim, a falta de vontade, de motivação (ou de motivos?) para continuarem juntos! E aí, assumidamente ou não, desistem do amor que sentiam um pelo outro e transformam o casamento numa grande chatice, num peso enorme!

O que fazer? Muitas coisas podem ser feitas, mas como não eu conseguiria escrever tudo numa coluna só, vou falar sobre uma das atitudes mais importantes: não há amor que sobreviva sem cuidados diários. Não há casamento que resista sem investimentos constantes, sem dedicação, sem atenção e, sobretudo, muito diálogo! Deus nos concedeu uma boca e o dom da palavra para falarmos sobre nossos sentimentos, para conversarmos sobre o que tem nos desagradado, mas também – e principalmente – para elogiarmos as pessoas que amamos, para lembrá-las do quanto elas são importante para nós, do quando nossa vida é melhor e mais bonita por podermos contar com elas... Mas será que os casais fazem isso desde o primeiro dia que se casam? Será que fazem isso todos os dias ou imediatamente após se sentirem desapontadas com alguma situação? Ou será que vão “engolindo” suas insatisfações durante muito tempo, até o dia em que já não conseguem mais suportar e despejam um monte de acusações, cobranças, agressões, dores, mágoas e insatisfações sobre o outro?

Pois eu garanto que o casal que se comprometer com o diálogo, incluindo essas duas regrinhas, ou seja, expondo na hora o que não lhe agradou e, por outro lado, lembrando sempre o outro de suas qualidades com declarações, elogios e comentários que ressaltam suas atitudes positivas, conseguirá alimentar o seu amor a cada dia e transformá-lo numa relação forte, sincera, que vale a pena ser mantida!

É muito importante lembrar que todos nós gostamos de ser elogiados, de ser notados e reconhecidos pelo que fazemos de bom, nem que seja uma comidinha gostosa, uma casa cheirosa, uma flor trazida da rua, um bilhetinho deixado na geladeira, um comentário sobre um sorriso, uma brincadeira, enfim, se observarmos bem, encontraremos muitos motivos para fazer um elogio à pessoa amada.

Então, se você quer ser feliz no seu casamento, alimente a relação com palavras e atitudes positivas e nunca abandone o diálogo. Converse sempre, muito, todos os dias, nem que seja um pouquinho, nem que seja por telefone, nem que seja por bilhetes, mas converse, pois é somente através do diálogo que você pode manter a ponte que une o seu mundo ao mundo da pessoa amada. Sem diálogo não há união e, sem união, a chama do amor se apaga...

domingo, 7 de dezembro de 2008

Receita de alegria (Pablo Picasso)

Joga fora todos os números não essenciais para tua sobrevivência. Isto inclui: idade, peso e altura. Que eles preocupem ao médico. Para isto o pagamos. Conviva, de preferência, com amigos alegres. Os pessimistas não são convenientes para ti.

Continua aprendendo... Aprenda mais sobre computadores, artesanato, jardinagem, qualquer coisa... Não deixe teu cérebro desocupado. Uma mente sem uso é oficina do diabo. E o nome do diabo é "Alzheimer".

Ria sempre, muito e alto. Ria até não poder mais. Inclusive de ti mesmo! Quando as lágrimas chegarem: agüenta, sofre e... Segue adiante.

Agradeça cada dia que amanhece como uma nova oportunidade para fazer aquilo que ainda não tiveste coragem de começar. Do princípio ao fim. Prefira novos caminhos a voltar a caminhos mil vezes trilhados.

Apaga o cinza de tua vida. E acenda as cores que carregas dentro de ti. Desperta teus sentidos para que não percas tudo de belo e formoso que te cerca.

Contagia de alegria ao teu redor, e tenta ir além das fronteiras pessoais a que tenhas chegado aprisionado pelo tempo.

Porém lembra-te: a única pessoa que te acompanha a vida inteira és tu mesmo. Cerca-te daquilo que gostas: família, animais, lembranças, música, plantas, um hobby, seja o que for...

Teu lar é teu refúgio, porém não fiques trancado nele. Teu melhor capital, a saúde. Aproveite-a. Se é boa, não a desperdice; se não é, não a estrague mais.

Não se renda à nostalgia. Sai à rua. Vá à uma cidade vizinha, a um país estrangeiro... Porém não viaja ao passado porque, dói!

Diz aos que amas, que realmente os amas e faça isso em todas as oportunidades que tiver. E lembra-te sempre que a vida não se mede pelo número de vezes que respirastes, mas pelos momentos que teu coração palpitou forte: de muito rir, de surpresa, de êxtase, de felicidade... E, sobretudo, de amar sem medida.

Há pessoas que transformam o Sol em uma pequena mancha amarela, porém há também as que fazem de uma simples mancha amarela o próprio Sol.

domingo, 30 de novembro de 2008

Todo homem é folgado? (Adriano Silva)

É uma história comum. Numa separação, os filhos ficam com a mulher. O sujeito não reclama. Vai no vácuo do desejo dela, que jamais admitiria a hipótese de não ficar com os filhos. Aí ele se descobre confortável nessa posição. Se esconde ali, na tepidez daquela irrelevância. Vai tirando paulatinamente o pé do acelerador. Se deixa afastar do veículo que leva seus filhos – quase sempre para bem longe dele. O sujeito vai ficando cada vez mais distante, menos presente, menos relevante. Deixa de participar. Deixa de influir, de opinar. Vira visita. Uma visita rara e nem sempre desejada. Vira um estranho. Um forasteiro no seio daquilo que um dia foi a sua família. Ou seja: o sujeito se separa da mulher e aproveita para se apartar dos filhos também. Ele deixa de ser pai.

Às vezes nem é preciso haver um divórcio para que esse afastamento aconteça. Não é raro ver, na divisão de responsabilidades do casal, os filhos ficarem totalmente na conta da mãe. O pai está em casa, mas é como se não estivesse. Paga as contas, senta no sofá com o jornal, assiste à televisão, se tranca no banheiro. Os filhos sabem que ele está no quarto, no escritório, que está no trabalho ou viajando. Mas trata-se de uma figura masculina ausente, longínqua, inacessível. É como se os filhos pertencessem ao departamento da mãe e fossem obrigados a acessá-la preferencialmente. Como se o pai, convenientemente, tivesse de respeitar essa organização e, para não adentrar o território da mãe, falasse apenas o estritamente necessário com os filhos. E não se envolvesse emocionalmente com eles.

Nem sempre é assim. Tem muito pai que faz questão de estar presente. Se mora com a família, participa, ajuda na lida da casa, senta à mesa de jantar e puxa conversa, pergunta das coisas da escola, quer conhecer os amigos e os namorados. Distribui tarefas, faz planos, dá bronca, elogia. E se envolve emocionalmente, se mostra solícito, oferece experiências e sentimentos. Se não mora mais com a mãe, faz questão de se manter próximo, quer estar inteirado de tudo que acontece, participa da orientação dos filhos, e às vezes até concorda em aturar o novo namorado da mãe só para oferecer aos filhos um ambiente mais harmonioso.

Mas é fato que há um número enorme de homens que se desincumbe dos filhos – principalmente na separação. Que simplesmente entrega os rebentos à guarda da mãe: "Toma que os filhos são teus". E que acha que o divórcio equivale a uma volta à vida solteira, boêmia, sem compromissos. Tem cara, por exemplo, que decide mudar de carreira exatamente nesse momento. E se permite meses, às vezes anos, de recomeço mal remunerado. Uma coisa que as mães jamais fariam, por mais que detestem seu emprego atual, porque sabem que elas não podem faltar na hora de colocar comida dentro de casa. Os homens se dão esse luxo com mais facilidade. Muito porque sabem que, em última instância, podem contar com elas. As mulheres, ao contrário, não o fazem precisamente porque sabem que, na maioria dos casos, não poderão contar com eles.

É curioso que isso aconteça, mesmo quando os filhos são projetos decididos a dois por casais modernos. Por que será que existe essa diferenciação entre homens e mulheres no que toca à sensação de obrigação e de responsabilidade sobre o sustento e o bem-estar dos pimpolhos? Como um pai que não paga pensão, não contribui com o colégio ou com a comida dos filhos, pode tomar uma cerveja, ou comprar um sapato novo, ou levar a nova namorada a um motel é coisa que não consigo entender.

domingo, 23 de novembro de 2008

Cala a boca, FHC! (Emir Sader)

Quem disse: “A globalização é o novo Renascimento da humanidade.”

Quem disse: “Quem acabou com a inflação, vai acabar com o desemprego.”

Quem disse: “Esqueçam o que eu escrevi.”

Quem disse: “Vou virar a página do getulismo.”

Quem disse, no último comício de Alckmin, no segundo turno, com a camisa fora da calça, desesperado: “Lula, você acabou, você morreu.”

Quem disse: “O Estado brasileiro gasta muito e gasta mal” e entregou o Estado com a dívida pública 11 vezes maior.

Quem disse: “Eu tenho um pé na cozinha” e depois de terminado o mandato, cinicamente acrescentou: “na cozinha francesa”.

Quem quebrou a economia brasileira três vezes e na última, em 1999, subiu a taxa de juros para 49%?

Quem reprimiu e tentou criminalizar os movimentos sociais?

Quem fez a Petrobras mudar de nome para Petrobrax, para tentar privatizá-la. Quem vendeu 1/3 das ações da Petrobras nas bolsas de valores de Nova York e de São Paulo? Quem quebrou o monopólio estatal do petróleo no Brasil?

Quem comprou votos de parlamentares para mudar a Constituição e conseguir um segundo mandato?

Quem aumentou como nunca o trabalho precário no Brasil?

Quem entregou o patrimônio público a preço de banana aos grandes capitais privados nacionais e internacionais, depois de sanear empresas públicas com dinheiro do BNDES e financiar essa transferência com juros subsidiados, no maior caso de corrupção da história brasileira.

Quem disse que os trabalhadores brasileiros são preguiçosos?

Quem disse que o Brasil tem vários milhões de pessoas “inimpregáveis”?

Quem sumiu o Brasil na longa recessão a partir de 1999, que só foi superada no governo Lula?

Quem quase liquidou o Mercosul com suas idéias de livre comércio e de prioridade de comércio com os países do norte?

Quem promoveu a mais ampla privatização da educação no Brasil?

Quem fracassou e teve seu governo largamente rejeitado quando seu candidato foi derrotado em 2002?

Quem não conseguiu nem que o candidato do seu partido defendesse seu governo nas eleições de 2006?

Quem é o político atualmente mais rejeitado pelo povo brasileiro, como tendo sido o presidente dos ricos?

Quem tinha o apoio de 18% dos brasileiros a esta altura do mandato, quando Lula tem 80% de apoio e 8% de rejeição.

Quem disse e fez tudo isso, FHC, deve calar a boca para sempre. O povo o rejeitou, o Brasil o rejeitou, democraticamente.

CALA A BOCA, FHC!

domingo, 16 de novembro de 2008

Cazuza, um ídolo? (Karla Christine)

Fui ver o filme Cazuza há alguns dias e me deparei com uma coisa estarrecedora. As pessoas estão cultivando ídolos errados. Como podemos cultivar um ídolo como Cazuza? Concordo que suas letras são muito tocantes, mas reverenciar um marginal como ele, é, no mínimo, inadmissível.

Marginal, sim, pois Cazuza foi uma pessoa que viveu à margem da sociedade, pelo menos uma sociedade que tentamos construir (ao menos eu) com conceitos de certo e errado. No filme, vi um rapaz mimado, filhinho de papai que nunca precisou trabalhar para conseguir nada, já tinha tudo nas mãos. A mãe vivia para satisfazer as suas vontades e loucuras. O pai preferiu se afastar das suas responsabilidades e deixou a vida correr solta.

São esses pais que devemos ter como exemplo?

Cazuza só começou a gravar pois o pai era diretor de uma grande gravadora. Existem vários talentos que não são revelados por falta de oportunidade ou por não terem algum conhecido importante.

Cazuza era um traficante, como sua mãe revela no livro, admitiu que ele trouxe drogas da Inglaterra, um verdadeiro criminoso. Concordo com o juiz Siro Darlan quando ele diz que a única diferença entre Cazuza e Fernandinho Beira-Mar é que um nasceu na zona sul e outro não.

Fiquei horrorizada com o culto que fizeram a esse rapaz, principalmente por minha filha adolescente ter visto o filme. Precisei conversar muito para que ela não começasse a pensar que usar drogas, participar de bacanais, beber até cair e outras coisas fossem certas, já que foi isso que o filme mostrou.

Por que não são feitos filmes de pessoas realmente importantes que tenham algo de bom para essa juventude já tão transviada? Será que ser correto não dá Ibope, não rende bilheteria?

Como ensina o comercial da Fiat, precisamos rever nossos conceitos, só assim teremos um mundo melhor. Devo lembrar aos pais que a morte de Cazuza foi conseqüência da educação errônea a que foi submetido.

Será que Cazuza teria morrido do mesmo jeito se tivesse tido pais que dissessem NÃO quando necessário?

Lembrem-se, dizer NÃO é a prova mais difícil de amor.
Não deixem seus filhos à revelia para que não precisem se arrepender mais tarde. A principal função dos pais é educar. Não se preocupem em ser 'amigo' de seus filhos. Eduque-os e mais tarde eles verão que você foi a pessoa que mais os amou e foi, é, e sempre será, o seu melhor amigo, pois amigo não diz SIM sempre.

domingo, 9 de novembro de 2008

Pátria madrasta vil (Clarice Zeitel Vianna Silva)

Onde já se viu tanto excesso de falta? Abundância de inexistência... Exagero de escassez... Contraditórios?? Então aí está! O novo nome do nosso país! Não pode haver sinônimo melhor para Brasil.

Porque o Brasil nada mais é do que o excesso de falta de caráter, a abundância de inexistência de solidariedade, o exagero de escassez de responsabilidade. O Brasil nada mais é do que uma combinação mal engendrada - e friamente sistematizada - de contradições.

Há quem diga que 'dos filhos deste solo és mãe gentil.', mas eu digo que não é gentil e, muito menos, mãe. Pela definição que eu conheço de mãe, o Brasil está mais para madrasta vil. A minha mãe não 'tapa o sol com a peneira'. Não me daria, por exemplo, um lugar na universidade sem ter-me dado uma bela formação básica.

E mesmo há 200 anos atrás não me aboliria da escravidão se soubesse que me restaria a liberdade apenas para morrer de fome. Porque a minha mãe não iria querer me enganar, iludir. Ela me daria um verdadeiro Pacote que fosse efetivo na resolução do problema, e que contivesse educação + liberdade + igualdade.

Ela sabe que de nada me adianta ter educação pela metade, ou tê-la aprisionada pela falta de oportunidade, pela falta de escolha, acorrentada pela minha voz-nada-ativa. A minha mãe sabe que eu só vou crescer se a minha educação gerar liberdade e esta, por fim, igualdade. Uma segue a outra... Sem nenhuma contradição!

É disso que o Brasil precisa: mudanças estruturais, revolucionárias, que quebrem esse sistema-esquema social montado; mudanças que não sejam hipócritas, mudanças que transformem!

A mudança que nada muda é só mais uma contradição. Os governantes (às vezes) dão uns peixinhos, mas não ensinam a pescar. E a educação libertadora entra aí. O povo está tão paralisado pela ignorância que não sabe a que tem direito. Não aprendeu o que é ser cidadão.

Porém, ainda nos falta um fator fundamental para o alcance da igualdade: nossa participação efetiva; as mudanças dentro do corpo burocrático do Estado não modificam a estrutura. As classes média e alta - tão confortavelmente situadas na pirâmide social - terão que fazer mais do que reclamar (o que só serve mesmo para aliviar nossa culpa)... Mas estão elas preparadas para isso?

Eu acredito profundamente que só uma revolução estrutural, feita de dentro pra fora e que não exclua nada nem ninguém de seus efeitos, possa acabar com a pobreza e desigualdade no Brasil.

Afinal, de que serve um governo que não administra? De que serve uma mãe que não afaga? E, finalmente, de que serve um Homem que não se posiciona?
Talvez o sentido de nossa própria existência esteja ligado, justamente, a um posicionamento perante o mundo como um todo. Sem egoísmo. Cada um por todos...

Algumas perguntas, quando auto-indagadas, se tornam elucidativas. Pergunte-se: quero ser pobre no Brasil? Filho de uma mãe gentil ou de uma madrasta vil? Ser tratado como cidadão ou excluído? Como gente... Ou como bicho?

domingo, 2 de novembro de 2008

Criando um monstro (Maria Isabel Alves)

O que pode criar um monstro? O que leva um rapaz de 22 anos a estragar a própria vida e a vida de outras duas jovens por... Nada?

Será que é índole? Talvez, a mídia? A influência da televisão? A situação social da violência? Traumas? Raiva contida? Deficiência social ou mental?

Permissividade da sociedade? O que faz alguém achar que pode comprar armas de fogo, entrar na casa de uma família, fazer reféns, assustar e desalojar vizinhos, ocupar a polícia por mais de 100 horas e atirar em duas pessoas inocentes?

O rapaz deu a resposta: "ela não quis falar comigo". A garota disse não, não quero mais falar com você. E o garoto, dizendo que ama, não aceitou um não. Seu desejo era mais importante.

Não quero ser mais um desses psicólogos de araque que infestam os programas vespertinos de televisão, que explicam tudo de maneira muito simplista e falam descontextualizadamente sobre a vida dos outros sem serem chamados. Mas ontem, enquanto não conseguia dormir pensando nesse absurdo todo, pensei que o não da menina Eloá foi o único. Faltaram muitos outros nãos nessa história toda.

Faltou um pai e uma mãe dizerem que a filha de 12 anos NÃO podia namorar um rapaz de 19. Faltou uma outra mãe dizer que NÃO iria sucumbir ao medo e ir lá tirar o filho do tal apartamento a puxões de orelha. Faltou outros pais dizerem que NÃO iriam atender ao pedido de um policial maluco de deixar a filha voltar para o cativeiro de onde, com sorte, já tinha escapado com vida. Faltou a polícia dizer NÃO ao próprio planejamento errôneo de mandar a garota de volta pra lá. Faltou o governo dizer NÃO ao sensacionalismo da imprensa em torno do caso, que permitiu que o tal seqüestrador conversasse e chorasse compulsivamente em todos os programas de TV que o procuraram.

Simples assim. NÃO. Pelo jeito, a única que disse não nessa história foi punida com uma bala na cabeça.

O mundo está carente de nãos. Vejo que cada vez mais os pais e professores morrem de medo de dizer não às crianças. Mulheres ainda têm medo de dizer não aos maridos (e alguns maridos, temem dizer não às esposas). Pessoas têm medo de dizer não aos amigos. Noras que não conseguem dizer não às sogras. Chefes que não dizem não aos subordinados. Gente que não consegue dizer não aos próprios desejos. E assim são criados alguns monstros. Talvez alguns não cheguem a seqüestrar pessoas. Mas têm pequenos surtos quando escutam um não, seja do guarda de trânsito, do chefe, do professor, da namorada, do gerente do banco.

Essas pessoas acabam crendo que abusar é normal. E que é legal.

Os pais dizem, 'não posso traumatizar meu filho'. E não é raro eu ver alguns tomando tapas de bebês com 1 ou 2 anos. Outros gastam o que não têm em brinquedos todos os dias e festas de aniversário faraônicas para suas crias. Sem falar nos adolescentes. Hoje em dia, é difícil ouvir alguém dizer:

Não, você não pode bater no seu amiguinho.
Não, você não vai assistir a uma novela feita para adultos.
Não, você não vai fumar maconha enquanto for contra a lei. Não, você não vai passar a madrugada na rua.
Não, você não vai dirigir sem carteira de habilitação.
Não, você não vai beber uma cervejinha enquanto não fizer 18 anos.
Não, essas pessoas não são companhias pra você.
Não, hoje você não vai ganhar brinquedo ou comer salgadinho e chocolate.
Não, aqui não é lugar para você ficar.
Não, você não vai faltar na escola sem estar doente.
Não, essa conversa não é pra você se meter.
Não, com isto você não vai brincar.
Não, hoje você está de castigo e não vai brincar no parque.

Crianças e adolescentes que crescem sem ouvir bons, justos e firmes NÃOS crescem sem saber que o mundo não é só deles. E aí, no primeiro não que a vida dá (e a vida dá muitos) surtam.

Usam drogas. Compram armas. Transam sem camisinha. Batem em professores. Furam o pneu do carro do chefe. Chutam mendigos e prostitutas na rua. E daí por diante.

Não estou defendendo a volta da educação rígida e sem diálogo, pelo contrário. Acredito piamente que crianças e adolescentes tratados com um amor real, sem culpa, tranqüilo e livre, conseguem perfeitamente entender uma sanção do pai ou da mãe, um tapa, um castigo, um não. Intuem que o amor dos adultos pelas crianças não é só prazer - é também responsabilidade. E quem ouve uns nãos de vez em quando também aprende a dizê-los quando é preciso.

Acaba aprendendo que é importante dizer não a algumas pessoas que tentam abusar de nós de diversas maneiras, com respeito e firmeza, mesmo que sejam pessoas que nos amem. O não protege, ensina e prepara.

Por mais que seja difícil, eu tento dizer não aos seres humanos que cruzam o meu caminho quando acredito que é hora - e tento respeitar também os nãos que recebo. Nem sempre consigo, mas tento. Acredito que é aí que está a verdadeira prova de amor. E é também aí que está a solução para a violência cada vez mais desmedida e absurda dos nossos dias.

domingo, 26 de outubro de 2008

Antes e depois da posse do político (Autor desconhecido)

ANTES DA POSSE:

Nosso partido cumpre o que promete
Só os tolos podem crer que
não lutaremos contra a corrupção
Porque, se há algo certo para nós, é que
a honestidade e a transparência são fundamentais
para alcançar nossos ideais
Mostraremos que é grande estupidez crer que
as máfias continuarão no governo, como sempre
Asseguramos sem dúvida que
a justiça social será o alvo de nossa ação
Apesar disso, há idiotas que imaginam que
se possa governar com as manchas da velha política
Quando assumirmos o poder, faremos tudo para que
se termine com os marajás e as negociatas
Não permitiremos de nenhum modo que
nossas crianças morram de fome
Cumpriremos nossos propósitos mesmo que
os recursos econômicos do país se esgotem
Exerceremos o poder até que
Compreendam que
Somos a nova política

APÓS A POSSE: LEIA DO FIM PARA O PRINCÍPIO

domingo, 19 de outubro de 2008

Conduta para a vida (pravsworld.com)

Nunca se justifique para alguém. Porque a pessoa que gosta de você não precisa que você faça isso. E aquele que não gosta, não acreditará.

Não deixe que alguém se torne uma prioridade em sua vida, quando você é somente uma possível opção na vida dessa pessoa...
Relacionamentos funcionam melhor quando são equilibrados.

De manhã, quando você acorda, você tem simplesmente duas opções: voltar a dormir e a sonhar ou levantar e correr atrás dos seus sonhos.
A escolha é sua...

Nós fazemos chorar aqueles que cuidam de nós. Nós choramos por aqueles que nunca cuidam de nós. E nós cuidamos daqueles que nunca vão chorar por nós.
Essa é a vida, é estranho, mas é verdade. Uma vez que você entenda isso, nunca será tarde demais para mudar.

Não faça promessas quando você estiver alegre. Não responda quando você estiver triste. Não tome decisões quando você estiver zangado.
Pense duas vezes... Seja esperto.

O tempo é como um rio. Você nunca poderá tocar a mesma água duas vezes, porque a água que passou nunca passará novamente.
Aproveite cada minuto da sua vida...

Se você continuar dizendo que está ocupado, então você nunca estará livre.
Se você continuar dizendo que não tem tempo, então você nunca terá tempo.
Se você continuar dizendo que fará isso amanhã, então o amanhã nunca chegará.

domingo, 12 de outubro de 2008

Economia e a atual crise dos mercados (Luís Carlos Lopes)

Os últimos acontecimentos provocam ou deveriam provocar uma crise das consciências burguesas. Estas formas de ver o mundo são veiculadas pelas grandes mídias e, infelizmente, acreditadas por muitos que sequer detêm capitais que justifiquem suas posturas. São burgueses de mentira, que, simplesmente, mimetizam o poder de seus patrões e/ou líderes intelectuais.

A economia "científica" que postulam é derivada do economics criado para se contrapor à economia política do século XIX, sobretudo a fundada pelo velho Marx. Eles separam a política da economia real, e acreditam que os fenômenos desta área existem sem sujeitos e interesses, por vezes cegos, arrogantes e anárquicos.

O que eles chamam de "economia real" é algo que sustenta o mundo desde sempre. Crêem que vivem acima do mundo do trabalho e, paradoxalmente, o invocam sempre que as crises os surpreendem. Simplesmente não o chamam pelo seu verdadeiro nome. Na verdade, o mundo das finanças é tão real, quanto os que o sustentam, em tela, o da indústria e o das atividades agrárias e de extração, sobretudo mineral.

O segmento financeiro sequer existiria, sem que as pessoas continuassem a trabalhar e a produzir mercadorias e outros bens. O que vendem, os tais ativos financeiros, só podem existir porque são lastreados por riquezas efetivas produzidas pela mão humana. Suas peculiaridades consistem no fato de que seus agentes podem ir além dos bens materialmente existentes, dando a impressão de que a riqueza não tem limites.

Nestas situações, como a que se está vivendo, produzem-se as tais "bolhas financeiras" que acabam por estourar como verdadeiras bolhas de sabão. Neste segmento econômico, o frenesi do enriquecimento fácil, a mentira da especulação e a retórica do desenvolvimento dos negócios presentes e futuros são elementos fortes que distinguem as atividades financeiras das produtivas. Por outro lado, para funcionar eles também precisam explorar o trabalho dos profissionais deste ramo.

No fundo, eles sabem disto tudo, quando dizem que o medo é que a crise vá alcançar a "economia real", isto é, a verdadeira origem do poder que ostentam através dos bancos e do mercado de valores. A posição que ocupam, na materialidade da vida, faz com que ajudem a operar o jogo de luzes sobre a verdadeira razão da crise: a irracionalidade exuberante do capitalismo. Não há como fazer este modo de produção funcionar sem a ocorrência de crises e dos problemas sociopolíticos decorrentes. A crise é parte integrante desta forma de organizar a economia e a sociedade. Por isso, que em todos os países capitalistas, há inúmeros espaços que se protegem da voracidade dos mercados. Quase ninguém é louco o suficiente para acreditar na lisura dos negócios.

A velha crítica à natureza do sistema capitalista e às suas impossibilidades está mais viva do que nunca. A cientificidade atual do capitalismo é incapaz de curar suas doenças crônicas. Consegue, apenas, fazer com que sintamos o odor de podre de seus membros amputados e que imaginemos que a crise vai passar. É verdade que ele consegue permanecer vivo, remanejando forças e cortando na própria carne. Entretanto, isto é provisório, até a próxima débâcle que se vislumbra no horizonte.

Do ponto de vista teórico, é necessário avançar em uma compreensão atualizada destes fenômenos. As interpretações produzidas no passado permanecem, em parte, válidas. Contudo, novos problemas surgiram. A história de hoje tem um grau distinto de complexidade. Vê-la, apenas, sob o prisma das velhas teorias é fazer algo diferente do que fariam os teóricos do passado. Significa ossificar o pensamento crítico e impedir que se compreenda em profundidade o que se vive na atual fase da modernidade.

Eric Hobsbawm, há alguns anos, já havia diagnosticado que a moderna teoria econômica, ensinada nas universidades e fortemente midiatizada, não passava de uma nova teologia. Os economistas, a serviço do "mercado", são como profetas do caos. Curiosamente, insistem em prever o que não sabem. Dizem até qual será a cotação tal e tal, em época determinada. Fazem "análises" de conjuntura, que, em horas, viram poeira midiática. Todavia, esta postura agrada aos verdadeiros donos do poder econômico. Estes detestam qualquer interpretação fora do que acreditam, desejando ficar na obscuridade fantasiosa de seus negócios, muitas vezes, escusos.

É engraçado ver como eles estão confusos e têm pouco a dizer sobre o que está acontecendo. O edifício de suas crenças desabou. Suas referências não mais servem, frente à força dos fatos. Alguns, mais espertos, estão calados esperando o furacão deixar de soprar. Outros, menos inteligentes, enchem os ouvidos das audiências que dispõem, com um monte de bobagens.

domingo, 5 de outubro de 2008

Pequena parcela (Chico Xavier)

Que eu continue a acreditar no outro, mesmo sabendo de alguns valores tão estranhos que permeiam o mundo!
Que eu continue otimista, mesmo sabendo que o futuro que nos espera nem sempre é tão alegre!
Que eu continue com a vontade de viver, mesmo sabendo que a vida é, em muitos momentos, uma lição difícil de ser aprendida!

Que eu permaneça com a vontade de ter grandes amigos, mesmo sabendo que com as voltas do mundo, eles vão indo embora de nossas vidas!
Que eu realimente sempre a vontade de ajudar as pessoas, mesmo sabendo que muitas delas são incapazes de ver, sentir, entender ou utilizar esta ajuda!
Que eu mantenha meu equilíbrio, mesmo sabendo que os desafios são inúmeros ao longo do caminho!

Que eu exteriorize a vontade de amar, entendendo que amar não é sentimento de posse... É sentimento de doação!
Que eu sustente a luz e o brilho no olhar, mesmo sabendo que muitas coisas que vejo no mundo, escurecem meus olhos!
Que eu retroalimente minha garra, mesmo sabendo que a derrota e a perda são ingredientes tão fortes quanto o sucesso e a alegria!

Que eu atenda sempre mais a minha intuição, que sinaliza o que de mais autêntico possuo!
Que eu pratique sempre mais o sentimento de justiça, mesmo em meio à turbulência dos interesses!
Que eu não perca o meu forte abraço e o distribua sempre; que eu perpetue a beleza e o brilho de ver, mesmo sabendo que as lágrimas também brotam dos meus olhos!

E que eu manifeste o amor por minha família, mesmo sabendo que ela muitas vezes me exige muito para manter sua harmonia!
Que eu acalente a vontade de ser grande, mesmo sabendo que minha parcela
de contribuição no mundo é pequena!
E, acima de tudo, que eu lembre sempre que todos nós fazemos parte desta maravilhosa teia chamada vida, criada por Alguém bem superior a todos nós!
E que as grandes mudanças não ocorrem por grandes feitos de alguns e, sim, nas pequenas parcelas cotidianas de todos nós!

domingo, 28 de setembro de 2008

Simplicidade (Luis Fernando Veríssimo)

Cada semana, uma novidade. A última foi que pizza previne câncer do esôfago. Acho a maior graça. Tomate previne isso, cebola previne aquilo, chocolate faz bem, chocolate faz mal, um cálice diário de vinho não tem problema, qualquer gole de álcool é nocivo, tome água em abundância, mas não exagere...

Diante desta profusão de descobertas, acho mais seguro não mudar de hábitos. Sei direitinho o que faz bem e o que faz mal pra minha saúde.

Prazer faz muito bem.
Dormir me deixa 0 km.
Ler um bom livro faz-me sentir novo em folha.
Viajar me deixa tenso antes de embarcar, mas depois rejuvenesço uns cinco anos.
Viagens aéreas não me incham as pernas; incham-me o cérebro, volto cheio de idéias.

Brigar me provoca arritmia cardíaca.
Ver pessoas tendo acessos de estupidez me embrulha o estômago.
Testemunhar gente jogando lata de cerveja pela janela do carro me faz perder toda a fé no ser humano.
E telejornais... Os médicos deveriam proibir – como doem!

Caminhar faz bem, dançar faz bem, ficar em silêncio quando uma discussão está pegando fogo, faz muito bem! Você exercita o autocontrole e ainda acorda no outro dia sem se sentir arrependido de nada. Acordar de manhã arrependido do que disse ou do que fez ontem à noite é prejudicial à saúde!
E passar o resto do dia sem coragem para pedir desculpas, pior ainda!
Não pedir perdão pelas nossas mancadas dá câncer, não há tomate ou mussarela que previna.

Ir ao cinema, conseguir um lugar central nas fileiras do fundo, não ter ninguém atrapalhando sua visão, nenhum celular tocando e o filme ser espetacular, uau!
Cinema é melhor pra saúde do que pipoca!
Conversa é melhor do que piada.
Exercício é melhor do que cirurgia.
Humor é melhor do que rancor.
Amigos são melhores do que gente influente.
Economia é melhor do que dívida.
Pergunta é melhor do que dúvida.
Sonhar é melhor do que nada!

domingo, 21 de setembro de 2008

Um país que cai de bunda e chora (James Pizarro)

Sou tomado de profunda melancolia ao contemplar o desempenho do Brasil nas Olimpíadas, constatando nossa colocação no quadro de medalhas e comparar nosso país com os países que estão à nossa frente.

Fico triste ao ver que em nossa seleção olímpica de futebol existem jogadores que ganham milhões e milhões de dólares, enquanto representantes do nosso judô choram e são humilhados por não ter dinheiro para pagar o exame de faixa preta.

Fico irado ao ver o Galvão Bueno, nas transmissões da Globo, enaltecer delirantemente "o gênio mágico" do "fenômeno" Phelps, nadador norte-americano, e não falar no mesmo tom do nosso nadador Cielo, este sim, um fenômeno. Fenômeno porque treinou seis horas por dia nos três últimos anos, numa cidade do interior dos EUA, sustentado pelos próprios pais e pela generosidade de alguns amigos, pois não recebe um auxílio oficial.

Fico depressivo ao contemplar na TV nossas minguadas medalhas de bronze.

E fico pensando que, de cada mega-sena e outras loterias oficiais, o governo paga apenas 30% do arrecadado ao ganhador e propaga que os outros 70% são destinados a isso ou aquilo, sem que a gente possa fiscalizar com nitidez tal aplicação.

Estou por completar 66 anos. E desde pequenino tem sido assim. Lembro do Ademar Ferreira da Silva, nosso bicampeão olímpico do salto tríplice que foi competir tuberculoso!

E jamais me sairá da mente o olhar de estupor de Diego Hipólito caindo de bunda no chão no final da sua apresentação, quando por infelicidade e questão de dois segundos deixou de subir ao pódio. E de suas lágrimas pedindo desculpas, quando ele não tem culpa de nada. Das lágrimas de outros atletas brasileiros dizendo que não deu. Pedindo desculpas aos familiares e ao povo.

Meu Deus!

Será que vou morrer vendo um povo que só chora e pede desculpas?

Será que vou morrer num país que se estatela de bunda no chão, enquanto os políticos roubam descaradamente e as CPIs não dão em nada?

Será que vou morrer num país que se contenta com o assistencialismo e o paternalismo oficiais, um povo que vende seu voto por bolsa-família e por receber um botijão de gás de esmola por mês? Até quando?

domingo, 14 de setembro de 2008

Preciso de alguém (Cristiana Passinoto)

Preciso de alguém que me olhe nos olhos quando falo. Que ouça as minhas tristezas e neuroses com paciência. E, ainda que não compreenda, respeite os meus sentimentos.

Preciso de alguém, que venha brigar ao meu lado sem precisar ser convocado; alguém amigo o suficiente para dizer-me as verdades que não quero ouvir, mesmo sabendo que posso odiá-lo por isso.

Nesse mundo de céticos, preciso de alguém que creia, nessa coisa misteriosa, desacreditada, quase impossível: a amizade. Que teime em ser leal, simples e justo, que não vá embora se algum dia eu perder o meu ouro e não for mais a sensação da festa.

Preciso de um amigo que receba com gratidão o meu auxílio, a minha mão estendida. Mesmo que isto seja muito pouco para suas necessidades.

Preciso de um amigo que também seja companheiro, nas farras e pescarias, nas guerras e alegrias, e que, no meio da tempestade, grite em coro comigo: "Nós ainda vamos rir muito disso tudo" e ria muito.

Não pude escolher aqueles que me trouxeram ao mundo, mas posso escolher meu amigo. E nessa busca empenho a minha própria alma, pois com uma amizade verdadeira, a vida se torna mais simples, mais rica e mais bela.

domingo, 7 de setembro de 2008

Jogo da vida (Brian Dyson)

Imagine a vida como um jogo, no qual você faz malabarismo com cinco bolas que são lançadas no ar... Essas bolas são: o trabalho, a família, a saúde, os amigos e o espírito.

O trabalho é a única bola de borracha. Se cair, bate no chão e pula para cima. Mas as quatro outras são de vidro. Se caírem no chão, quebrarão e ficarão permanentemente danificadas.

Entendam isso e assim conseguirão o equilíbrio na vida.

Como?

Não diminua seu próprio valor comparando-se com outras pessoas. Somos todos diferentes. Cada um de nós é um ser especial.

Não fixe seus objetivos com base no que os outros acham importante. Só você tem condições de escolher o que é melhor para si próprio. Dê valor e respeite as coisas mais queridas de seu coração. Apegue-se a ela como a própria vida. Sem elas a vida carece de sentido.

Não deixe que a vida escorra entre os dedos por viver no passado ou no futuro. Se viver um dia de cada vez, viverá todos os dias de sua vida.
Não desista enquanto ainda é capaz de um esforço a mais. Nada termina até o momento em que se deixa de tentar.
Não tema admitir que não é perfeito. Não tema enfrentar riscos. É correndo riscos que aprendemos a ser valentes.

Não exclua o amor de sua vida dizendo que não se pode encontrá-lo. A melhor forma de receber amor é dá-lo. A forma mais rápida de ficar sem amor é apegar-se demasiado a si próprio. A melhor forma de manter o amor é dar-lhe asas. Corra atrás de seu amor, ainda dá tempo!

Não corra tanto pela vida a ponto de esquecer onde esteve e para onde vai.
Não tenha medo de aprender. O conhecimento é leve. É um tesouro que se carrega facilmente.
Não use imprudentemente o tempo ou as palavras. Não se pode recuperar uma palavra dita.

A vida não é uma corrida, mas sim uma viagem que deve ser desfrutada a cada passo. Lembre-se: ontem é história, amanhã é mistério e hoje é uma dádiva. Por isso se chama presente.

domingo, 31 de agosto de 2008

Amigos (Vinícius de Moraes)

Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos. Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles. A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor, eis que permite que o objeto dela se divida em outros afetos, enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade. E eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!

Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha vida depende de suas existências. A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem. Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida.

Mas, porque não os procuro com assiduidade, não posso lhes dizer o quanto gosto deles. Eles não iriam acreditar. Muitos deles estão lendo esta crônica e não sabem que estão incluídos na sagrada relação de meus amigos.

Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e não os procure. E às vezes, quando os procuro, noto que eles não têm noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construí e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida.

Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado. Se todos eles morrerem, eu desabo! Por isso é que, sem que eles saibam, eu rezo pela vida deles. E me envergonho, porque essa minha prece é, em síntese, dirigida ao meu bem estar. Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo. Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles.

Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele prazer… Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos, e, principalmente os que só desconfiam ou talvez nunca vão saber que são meus amigos!

A gente não faz amigos, reconhece-os.

domingo, 24 de agosto de 2008

O deus mercado (Remo Bastos)

Desde o desmoronamento das economias planificadas do leste europeu e da União Soviética em 1991, a economia mundial enfrenta uma aceleração galopante no processo de abertura dos mercados nacionais de países periféricos, o qual objetiva possibilitar às transnacionais “fincarem sua estaca” nesses mercados, e a partir de “nações-chave” poderem “tomar de assalto” o mercado de cada sub-região que lhes interessar no planeta, alastrando a falência de pequenas empresas nacionais por todo o perímetro atingido pelo ataque e semeando o desemprego, a desestabilização social e a destruição da incipiente base econômica desses países.

Não é difícil compreender como se processa a investida: Os países desenvolvidos, por apresentarem uma capacidade tecnológica algumas dezenas de vezes superior à dos países periféricos (o que, por sua vez leva, obviamente, a uma maior produtividade e a um menor preço unitário por produto fabricado), ao conseguirem (via pressão diplomática ou outros artifícios menos nobres) a abertura indiscriminada dos mercados de países subdesenvolvidos, conseguem desencalhar o excesso de produtos que a exacerbada concorrência entre seus pares (países ricos) impede que sejam absorvidos inteiramente no hemisfério norte. Por esta entrada de produtos oriundos do Norte nos mercados periféricos se processar com uma inelutável vantagem competitiva para as transnacionais em relação às empresas nacionais que fabricam os mesmos produtos, estas são simplesmente esmagadas pelas transnacionais, se o governo local não as proteger com alguma tarifa de importação (ou outro mecanismo qualquer, os quais são bastante conhecidos dos países ricos, que os utilizam sistematicamente para impedir a entrada em seus mercados de produtos oriundos de países do Terceiro Mundo).

Não nos esqueçamos que a abertura sem critérios dos mercados desses países é imposta pelos organismos financeiros multilaterais (Banco Mundial, BID ou FMI, etc) como condição para novos empréstimos ou refinanciamento de sua dívida externa. Ou seja, o país periférico não tem alternativa soberana caso fraqueje, permanecendo submisso à banca internacional. Logo todo seu mercado interno estará completamente infestado pelas transnacionais, e a nação terá abdicado de gerir políticas de desenvolvimento nacional pela absoluta falta de possibilidade de controle macroeconômico, já que o centro decisório da maioria dos agentes econômicos se encontrará fora de suas fronteiras.

A concentração de poder nas mãos das transnacionais, oligopólios que controlam os principais mercados do mundo, impressiona pela descomunal abrangência: sabe-se, por exemplo, que apenas dez empresas controlam mais de setenta por cento da produção de computadores, outras dez controlam mais de oitenta por cento da indústria automobilística, somente sete empresas produzem mais de noventa por cento de todo o material de saúde vendido no mundo, e apenas oito empresas dominam mais de setenta por cento do setor petroquímico em todo o mundo. Outro dado aterrorizador consiste em que dos cento e noventa e quatro países pelo menos “formalmente” soberanos, cento e oitenta deles (quase noventa e três por cento, portanto) possuem um PIB inferior à movimentação financeira da General Motors, da Ford ou da Exxon.

Óbvio que de livre o mercado mundial não tem nada. Aliás, conforme assinalei anteriormente, a liberdade de mercado é imposta somente aos países periféricos, com vistas a se implementar o “mercado persa” das transnacionais em todo o hemisfério Sul, ou seja, a ingênua crença de que o comércio internacional irrestrito permitiria aos países mais pobres alcançar o mesmo progresso dos países ricos vai tanto contra a experiência histórica quanto contra o bom senso, e a geração de desigualdades tão crescentes ocasionará grandes encrencas futuras.

O mercado, essa instituição mitológica que, segundo a escola clássica da economia, “requentada” agora pelo neoliberalismo, resolveria plenamente todos os problemas econômicos da humanidade através de sua “mão invisível”, infelizmente na vida real funciona tal qual a “justiça cega” que impera em muitos países, que “abre um minúsculo furo na venda para ver quem lhe interessa beneficiar". Exatamente por conta deste incontornável apanágio, que lhe é absolutamente congênito e indissociável, sociedade alguma pode sobreviver completamente desprotegida deste injusto e egoísta mecanismo. Ele não é um “deus justo”, e peca por concentrar riquezas em apenas um pólo e, no fundo sabemos, todas as tentativas de lhe por freios sob um sistema capitalista mostram-se meros paliativos que em nada atingem a raiz da questão fundamental.

Assim, a situação de dificuldade econômica e social de mais de dois terços da humanidade, causada pelo egoísmo e a falta de capacidade inata do mercado, enquanto ferramenta essencialmente capitalista, de atendê-los, fala por si só. A exacerbação neoliberal, a serviço da globalização do capitalismo financeiro, tem provocado, nos países periféricos, a destruição das economias locais, as quais antes tinham pelo menos a capacidade de sustentar seus habitantes dignamente. Portanto, que fique bem claro e patente: o Estado é indispensável à preservação do equilíbrio de forças em qualquer sociedade, representando o interesse público. Tal constatação não contradiz a existência do mercado, contudo o submete às necessidades e aos interesses da sociedade como um todo, e não aos interesses de uma dúzia de grupos econômicos transnacionais.

Lamente-se a apatia da sociedade em reconhecer este ludibrio da qual é vítima, pois a luta por saúde e educação pública de qualidade, por exemplo, deixaram inexplicavelmente de ser empreendidas com vigor por quase todas as organizações sociais deste país. Este comportamento pusilânime da sociedade custará caro não somente para a geração atual, mas principalmente para as que virão.

domingo, 17 de agosto de 2008

Segurança (Luis Fernando Veríssimo)

O ponto de venda mais forte do condomínio era a sua segurança.
Havia as belas casas, os jardins, os playgrounds, as piscinas, mas havia, acima de tudo, segurança.
Toda a área era cercada por um muro alto. Havia um portão principal com muitos guardas que controlavam tudo por um circuito fechado de TV Só entravam no condomínio os proprietários e visitantes devidamente identificados e crachados.

Mas os assaltos começaram assim mesmo. Ladrões pulavam os muros e assaltavam as casas.
Os condôminos decidiram colocar torres com guardas ao longo do muro alto.
Nos quatro lados. As inspeções tornaram-se mais rigorosas no portão de entrada. Agora não só os visitantes eram obrigados a usar crachá.
Os proprietários e seus familiares também. Não passava ninguém pelo portão sem se identificar para a guarda. Nem as babás. Nem os bebês.

Mas os assaltos continuaram.
Decidiram eletrificar os muros.
Houve protestos, mas no fim todos concordaram. O mais importante era a segurança. Quem tocasse no fio de alta tensão em cima do muro morreria eletrocutado. Se não morresse, atrairia para o local um batalhão de guardas com ordens de atirar para matar.

Mas os assaltos continuaram.
Grades nas janelas de todas as casas. Era o jeito. Mesmo se os ladrões ultrapassassem os altos muros, e o fio de alta tensão, e as patrulhas, e os cachorros, e a segunda cerca, de arame farpado, erguida dentro do perímetro, não conseguiriam entrar nas casas.
Todas as janelas foram engradadas.

Mas os assaltos continuaram.
Foi feito um apelo para que as pessoas saíssem de casa o mínimo possível.
Dois assaltantes tinham entrado no condomínio no banco de trás do carro de um proprietário, com um revólver apontado para a sua nuca. Assaltaram a casa, depois saíram no carro roubado, com crachás roubados. Além do controle das entradas, passou a ser feito um rigoroso controle das saídas.
Para sair, só com um exame demorado do crachá e com autorização expressa da guarda, que não queria conversa nem aceitava suborno.

Mas os assaltos continuaram.
Foi reforçada a guarda. Construíram uma terceira cerca. As famílias de mais posses, com mais coisas para serem roubadas, mudaram-se para uma chamada área de segurança máxima. E foi tomada uma medida extrema.
Ninguém pode entrar no condomínio. Ninguém. Visitas, só num local predeterminado pela guarda, sob sua severa vigilância e por curtos períodos.
E ninguém pode sair.

Agora, a segurança é completa.
Não tem havido mais assaltos.
Ninguém precisa temer pelo seu patrimônio. Os ladrões que passam pela calçada só conseguem espiar através do grande portão de ferro e talvez avistar um ou outro condômino agarrado às grades da sua casa, olhando melancolicamente para a rua.

Mas surgiu outro problema.
As tentativas de fuga. E há motins constantes de condôminos que tentam de qualquer maneira atingir a liberdade.
A guarda tem sido obrigada a agir com energia.

domingo, 10 de agosto de 2008

Elegância (Toulouse Lautrec)

Existe uma coisa difícil de ser ensinada e que, talvez por isso, esteja cada vez mais rara: a elegância do comportamento. É um dom que vai muito além do uso correto dos talheres e que abrange bem mais do que dizer um simples obrigado diante de uma gentileza.

É a elegância que nos acompanha da primeira hora da manhã até a hora de dormir e que se manifesta nas situações mais prosaicas, quando não há festa alguma nem fotógrafos por perto. É uma elegância desobrigada.

É possível detectá-la nas pessoas que elogiam mais do que criticam. Nas pessoas que escutam mais do que falam. E quando falam, passam longe da fofoca, das pequenas maldades ampliadas no boca a boca.

É possível detectá-la nas pessoas que não usam um tom superior de voz ao se dirigir a frentistas.

Nas pessoas que evitam assuntos constrangedores porque não sentem prazer em humilhar os outros.

É possível detectá-la em pessoas pontuais.

Elegante é quem demonstra interesse por assuntos que desconhece, é quem presenteia fora das datas festivas, é quem cumpre o que promete e, ao receber uma ligação, não recomenda à secretária que pergunte antes quem está falando e só depois manda dizer se está ou não está.

Oferecer flores é sempre elegante.

É elegante não ficar espaçoso demais.

É elegante você fazer algo por alguém, e este alguém jamais saber o que você teve que se arrebentar para fazê-lo.

É elegante não mudar seu estilo apenas para se adaptar ao outro.

É muito elegante não falar de dinheiro em bate-papos informais.

É elegante retribuir carinho e solidariedade.

É elegante o silêncio, diante de uma rejeição.

Sobrenome, jóias e nariz empinado não substituem a elegância do gesto. Não há livro que ensine alguém a ter uma visão generosa do mundo, a estar nele de uma forma não arrogante.

É elegante a gentileza; atitudes gentis falam mais que mil imagens.

Abrir a porta para alguém é muito elegante.

Dar o lugar para alguém sentar é muito elegante.

Sorrir, sempre é muito elegante e faz um bem danado para a alma.

Oferecer ajuda é muito elegante.

Olhar nos olhos ao conversar é essencialmente elegante.

Pode-se tentar capturar esta delicadeza natural pela observação, mas tentar imitá-la é improdutivo. A saída é desenvolver em si mesmo a arte de conviver, que independe de status social: é só pedir licencinha para o nosso lado brucutu, que acha que "com amigo não tem que ter estas frescuras". Se os amigos não merecem certa cordialidade, os inimigos é que não irão desfrutá-la.

Educação enferruja por falta de uso.
E, detalhe: não é frescura.

domingo, 3 de agosto de 2008

Vencedores e derrotados (Autor desconhecido)

Quando um VENCEDOR comete um erro, diz: “Enganei-me“, e aprende a lição.
Quando um DERROTADO comete um erro, diz: “A culpa não foi minha“, e responsabiliza terceiros.

Um VENCEDOR sabe que a adversidade é o melhor dos mestres.
Um DERROTADO sente-se vítima perante uma adversidade.

Um VENCEDOR sabe que o resultado das coisas depende de si.
Um DERRROTADO acha-se perseguido pelo azar.

Um VENCEDOR trabalha muito e arranja sempre tempo para si próprio.
Um DERROTADO está sempre "muito ocupado" e não tem tempo sequer para sua família.

Um VENCEDOR enfrenta os desafios um a um.
Um DERROTADO contorna os desafios e nem se atreve a enfrentá-los.

Um VENCEDOR compromete-se, dá a sua palavra e cumpre.
Um DERROTADO faz promessas, não se esforça e quando falha só sabe se justificar.

Um VENCEDOR diz: "Sou bom, mas vou ser melhor ainda".
Um DERROTADO diz: "Não sou tão mau assim; há muitos piores que eu".

Um VENCEDOR ouve, compreende e responde.
Um DERROTADO não espera que chegue a sua vez de falar.

Um VENCEDOR respeita os que sabem mais e procura aprender algo com eles.
Um DERROTADO resiste a todos os que sabem mais e apenas se fixa nos defeitos deles.

Um VENCEDOR sente-se responsável por algo mais que o seu trabalho.
Um DERROTADO não se compromete nunca e diz sempre: “Faço o meu trabalho e é quanto basta”.

Um VENCEDOR diz: “Deve haver uma melhor forma de fazer isso...”.
Um DERROTADO diz: “Sempre fizemos assim. Não há outra maneira.”.

Um VENCEDOR é PARTE DA SOLUÇÃO.
Um DERROTADO é PARTE DO PROBLEMA.

domingo, 27 de julho de 2008

Felicidade realista (Mário Quintana)

A princípio, bastaria ter saúde, dinheiro e amor, o que já é um pacote louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos. Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser magérrimos, sarados, irresistíveis.

Dinheiro? Não basta termos para pagar o aluguel, a comida e o cinema: queremos a piscina olímpica e uma temporada num spa cinco estrelas.

E quanto ao amor? Ah, o amor... não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo. Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito.

É o que dá ver tanta televisão. Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista. Ter um parceiro constante, pode ou não, ser sinônimo de felicidade. Você pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com um parceiro, feliz sem nenhum. Não existe amor minúsculo, principalmente quando se trata de amor-próprio.

Dinheiro é uma benção. Quem tem, precisa aproveitá-lo, gastá-lo, usufruí-lo. Não perder tempo juntando, juntando, juntando. Apenas o suficiente para se sentir seguro, mas não aprisionado E se a gente tem pouco, é com este pouco que vai tentar segurar a onda, buscando coisas que saiam de graça, como um pouco de humor, um pouco de fé e um pouco de criatividade.

Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável. Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o estrelato, amar sem almejar o eterno. Olhe para o relógio: hora de acordar. É importante pensar-se ao extremo, buscar lá dentro o que nos mobiliza, instiga e conduz mas sem exigir-se desumanamente.

A vida não é um jogo onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio. Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se. Invente seu próprio jogo. Faça o que for necessário para ser feliz.

Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade. Ela transmite paz e não sentimentos fortes, que nos atormenta e provoca inquietude no nosso coração. Isso pode ser alegria, paixão, entusiasmo, mas não felicidade.

domingo, 20 de julho de 2008

Se os tubarões fossem homens (Bertolt Brecht)

Se os tubarões fossem homens, construiriam no mar grandes gaiolas para os peixes pequenos, com todo tipo de alimento, tanto animal como vegetal. Cuidariam para que as gaiolas tivessem sempre água fresca, e tomariam toda espécie de medidas sanitárias. Se, por exemplo, um peixinho ferisse a barbatana, então lhe fariam imediatamente um curativo, para que ele não lhes morresse antes do tempo.

Para que os peixinhos não ficassem melancólicos, haveria grandes festas aquáticas de vez em quando, pois os peixinhos alegres têm melhor sabor do que os tristes. Naturalmente haveria também escolas nas gaiolas. Nessas escolas os peixinhos aprenderiam como nadar em direção às goelas dos tubarões. Precisariam saber geografia, por exemplo, para localizar os grandes tubarões que vagueiam descansadamente pelo mar.

O mais importante seria, naturalmente, a formação moral dos peixinhos. Eles seriam informados de que nada existe de mais belo e mais sublime do que um peixinho que se sacrifica contente, e que todos deveriam crer nos tubarões, sobretudo, quando dissessem que cuidam de sua felicidade futura. Os peixinhos saberiam que esse futuro só estaria assegurado se estudassem docilmente.

Acima de tudo, os peixinhos deveriam evitar toda inclinação baixa, materialista, egoísta, marxista, e avisar imediatamente os tubarões se um dentre eles mostrasse tais tendências.

Se os tubarões fossem homens, naturalmente fariam guerras entre si, para conquistar gaiolas e peixinhos estrangeiros. Nessas guerras eles fariam lutar os seus peixinhos, e lhes ensinariam que há uma enorme diferença entre eles e os peixinhos dos outros tubarões. Os peixinhos, eles iriam proclamar, são notoriamente mudos, mas silenciam em línguas diferentes, e por isso não podem se entender.

Cada peixinho que na guerra matasse alguns outros, inimigos, que silenciam em outra língua, seria condecorado com uma pequena medalha de sargaço e receberia o título de herói.

Se os tubarões fossem homens, naturalmente haveria também arte entre eles. Haveria belos quadros, representando os dentes dos tubarões em cores soberbas, e suas goelas como jardins onde se brinca deliciosamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam valorosos peixinhos nadando com entusiasmo em direção às goelas dos tubarões, e a música seria tão bela, que a seus acordes todos os peixinhos, com a orquestra na frente, sonhando, embalados nos pensamentos mais doces, se precipitariam nas gargantas dos tubarões.

Também não faltaria uma religião, se os tubarões fossem homens. Ela ensinaria que a verdadeira vida dos peixinhos começa apenas na barriga dos tubarões.

Além disso, se os tubarões fossem homens também acabaria a idéia de que os peixinhos são iguais entre si. Alguns deles se tornariam funcionários e seriam colocados acima dos outros. Aqueles ligeiramente maiores poderiam inclusive comer os menores.

Isso seria agradável para os tubarões, pois eles teriam, com maior freqüência, bocados maiores para comer. E os peixinhos maiores, detentores de cargos, cuidariam da ordem entre os peixinhos, tornando-se professores, oficiais, construtores de gaiolas etc.

Em suma, haveria uma civilização no mar, se os tubarões fossem homens.

domingo, 13 de julho de 2008

Estudo relaciona descrença religiosa a QI alto (BBC Brasil.com)

O texto é assinado por Richard Lynn, professor de psicologia da Universidade do Ulster, na Irlanda do Norte, em parceria com Helmuth Nyborg, da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, e John Harvey, sem afiliação universitária.

A conclusão é baseada na compilação de pesquisas anteriores que mostram uma relação entre QIs altos e baixa religiosidade e em dois estudos originais.

Em um desses estudos, os autores compararam a média de QI com religiosidade entre países.

No outro estudo, eles cruzaram os resultados de jovens americanos em um teste alternativo de habilidade intelectual (fator g) com o grau de religiosidade deles.

Na pesquisa entre países, os pesquisadores analisaram média de QI com o de religiosidade em 137 países. Os dados foram coletados em levantamentos anteriores.

Os autores concluíram que em apenas 23 dos 137 países a porcentagem da população que não acredita em Deus passa dos 20% e que esses países são, na maioria, os que apresentam índices de QI altos.

Exceções

Os pesquisadores dividiram os países em dois grupos.

No primeiro grupo, foram colocados os países cujas médias de QI são mais baixos, variando de 64 a 86 pontos. Nesse grupo, uma média de apenas 1,95% da população não acredita em Deus.

No segundo grupo, onde a média de QI era de 87 a 108, uma média de 16,99% da população não acredita em Deus.

Os autores argumentam que há algumas exceções para a conclusão de que QI alto equivale a altas taxas de ateísmo.

Eles citam, por exemplo, os casos de Cuba (QI de 85 e cerca de 40% de descrentes) e Vietnã (QI de 94 e taxa de ateísmo de 81%), onde há uma porcentagem de pessoas que não acreditam em Deus maior do que a de países com QI médio semelhante.

Uma possível explicação estaria, segundo os autores, no fato de que "esses países são comunistas nos quais houve uma forte propaganda ateísta contra a crença religiosa".

Outra exceção seriam os Estados Unidos, onde a média de QI é considerada alta (98), mas apenas 10,5% dizem não acreditar em Deus, uma taxa bem mais baixa do que a registrada no noroeste e na região central da Europa – onde há altos índices médios de QI e de ateísmo.

Lynn diz que uma explicação para o quadro verificado nos Estados Unidos pode estar no fato de que "há um grande influxo de imigrantes de países católicos, como México, o que ajuda a manter índices altos de religiosidade".

Mas ele reconhece que mesmo grupos que emigraram para os Estados Unidos há muito tempo tendem a ter crenças religiosas fortes e diz que, simplesmente, não consegue explicar a realidade americana.

Generalização

Os autores argumentam que essa relação entre QI e descrença religiosa vem sendo demonstrada em várias pesquisas na Europa e nos Estados Unidos desde a primeira metade do século passado.

Eles citam, também, uma pesquisa de 1998 que mostrou que apenas 7% dos integrantes da Academia Nacional Americana de Ciências acreditavam em Deus, comparados com 90% da população em geral.

Lynn admitiu à BBC Brasil que os resultados apontam para uma "generalização" e que há pessoas com QI alto que têm crenças religiosas fortes.

Segundo ele, há vários fatores, como influência familiar ou pressão social, que influenciam a religiosidade das pessoas.

"Nós temos que diferenciar a situação hoje com outros períodos da história. As pessoas tendem a adotar uma atitude de acordo com a sociedade em que vivem. Hoje em dia, na Grã-Bretanha e em outros países europeus, não há tanta pressão da sociedade para que você acredite em Deus", afirma.

Uma das hipóteses que o estudo levanta para tentar explicar a correlação entre QI e religiosidade é a teoria de que pessoas mais inteligentes são mais propensas a questionar dogmas religiosos "irracionais".

Dúvidas

O professor de psicologia da London School of Economics, Andy Wells, porém, levanta questões sobre a tese.

"A conclusão do professor Lynn é de que um QI alto leva à falta de religiosidade, mas eu acredito que é muito difícil ter certeza disso", afirma.

De acordo com Wells, vários estudos já demonstraram que pessoas com níveis de QI altos tendem a ter níveis de educação mais altos.

"E quanto mais educação as pessoas têm, é mais provável que elas tenham acesso a teorias alternativas de criação do mundo, por exemplo", afirma Wells.

domingo, 6 de julho de 2008

Elogio aos idiotas (Carlos Cardoso Aveline)

Na vida acelerada do mundo de hoje, todos querem ser espertos, vivos e astuciosos. Ninguém quer ficar para trás – quando você está indo, os outros já estão voltando. Ninguém mais diz frases com segundas intenções: dizem coisas com terceiras, quartas e quintas intenções. Frases que, com sorte, um leigo demora de dez a 30 minutos para decifrar, e até dois dias para imaginar uma resposta à altura.

Em compensação, alguém que diz diretamente aquilo que pensa acaba provocando escândalo e mal-estar. É imediatamente catalogado como perigoso e tratado como idiota. A sinceridade parece contrariar as normas da convivência e da boa educação modernas. Assim, as pessoas bem-educadas são amáveis, mas nem sempre se deve acreditar no que dizem.

A idiotice é um tema vasto, com muitos aspectos diferentes, que sempre esteve presente na minha vida e está inscrita com destaque na cultura brasileira. Um exemplo disso são as tradicionais piadas de português. Elas são uma projeção da brasilidade. No fundo, os portugueses idiotas das piadas somos nós. Os episódios que envolvem Manuel, Joaquim e Maria são todos uma parte da alma do nosso país – tanto é assim que só são conhecidos no Brasil. Em Portugal, ao contrário, circulam piadas de brasileiros.

É certo que, quando examinamos a questão da inteligência e da idiotice, surgem algumas perguntas indiscretas: o que é, afinal, inteligência? O que é burrice? Quantos tipos há de idiotas?

Inteligência é a capacidade de perceber o real. E, como há realidades muito diferentes no mundo, não existe um tipo único de inteligência. Cada situação da vida requer um tipo específico de percepção, e por isso as inteligências são múltiplas. Por sua vez, a idiotice e a burrice podem ser definidas como a incapacidade de perceber o real. E são tão variadas quanto as inteligências. Há, portanto, muitos tipos de idiotas. Alguns deles, inclusive, são espertalhões. Sim, há idiotas que passam por inteligentes, e também há pessoas inteligentes que passam por idiotas.

Além disso, quem é inteligente em uma área da vida pode ser burro em outras. Você é esperto em política e burro na hora de jogar futebol. Sua namorada pode ser menos intelectual que você, na hora de discutir filosofia, mas há aspectos da vida em que ela coloca você no chinelo. Há coisas que seus filhos pequenos fazem bem melhor que você, como, talvez, compreender as sutilezas de um videogame ou computador. Felizmente, ter sabedoria não é saber tudo. Ter sabedoria é saber o mais importante – e administrar bem os seus talentos.

Dos muitos tipos de idiotas, um dos mais interessantes foi examinado por François Rabelais, o escritor francês do século 16. Ele abordou a burrice específica dos “doutores” que usam palavras complicadas para não dizer coisa alguma. Um deles – conta Rabelais – fez certo dia uma longa pesquisa para saber “se uma entidade imaginária, zumbindo no vácuo, é capaz de devorar segundas intenções”. Outro queria saber “se uma idéia platônica, dirigindo-se para a direita sob o orifício do caos, poderia afastar os átomos de Demócrito”. Um terceiro investigava “se a frigidez hibernal dos antípodas, passando numa linha ortogonal através da homogênea solidez do centro, podia, por uma delicada antiperístase, aquecer a convexidade dos nossos calcanhares”. Rabelais qualifica tais idiotas eruditos como professores cegos de discípulos cegos, “que tateiam em um quarto escuro à procura de um gato preto que não está lá”. Tais indivíduos eram precursores de Rolando Lero, o grande erudito da televisão brasileira.

Conheço seres humanos que têm tanto medo de parecer burros que aplaudem – ou pelo menos fingem que compreendem – esse tipo de raciocínio longo, encaracolado, sem significado algum. Mas tal constrangimento é desnecessário: deixando de lado o medo de parecer idiotas, perderemos menos tempo fingindo e seremos mais felizes.

O caso de um dos maiores gênios da ciência, Albert Einstein, é ilustrativo. No início da vida, ele recusou-se a falar antes dos 3 anos de idade. Seus pais, pessoas sensatas, pensavam que fosse retardado mental. Mais tarde, quando Einstein ingressou na escola, ele foi novamente considerado imbecil. Seu biógrafo é obrigado a admitir:

“Para os colegas de classe, Albert era uma anomalia que não demonstrava interesse nenhum pelos esportes. Para os professores, era um idiota que não conseguia decorar nada e se comportava de modo estranho. Em vez de responder imediatamente a uma pergunta, como os outros alunos, sempre hesitava. E, quando respondia, movia os lábios em silêncio, repetindo as palavras.”

Décadas mais tarde, Einstein deu o troco. Ele qualificou o nosso moderno sistema educacional como uma estrutura que reprime a inteligência e busca fabricar idiotas obedientes:

“A humilhação e a opressão mental imposta por professores ignorantes e pretensiosos causam danos terríveis na mente jovem; danos que não podem ser reparados e que geralmente exercem influências maléficas na vida futura.” E ainda: “A maioria dos professores perde tempo fazendo perguntas para descobrir o que o aluno não sabe, quando a verdadeira arte consiste em descobrir o que o aluno sabe ou é capaz de saber.” Por isso Mark Twain escreveu: “Nunca permiti que a escola atrapalhasse meus estudos.” E George Bernard Shaw admitiu: “Em determinado momento, interrompi meus estudos para ingressar na universidade.” É verdade que, desde então, o sistema educacional já melhorou um pouco. Mas deve melhorar mais.

Einstein não estava só ao ser considerado idiota. Quando jovem, o pensador indiano Jiddu Krishnamurti também despertou fortes suspeitas de que era um débil mental. Durante 50 anos, no século 20, ele deu palestras no mundo todo, e teve dezenas de livros importantes publicados em várias línguas. Mas nos seus primeiros anos de estudante, na Índia, Krishnamurti era incapaz de acompanhar os estudos. Não memorizava nada, detestava os livros e ficava horas observando a evolução das nuvens no céu, ou acompanhando a vida de plantas ou insetos.

De fato, o santo e o idiota têm muito em comum, não só entre si, mas também com as árvores e os animais. Todos eles vivem em um estado de comunhão que é independente do pensamento lógico. Isso contraria a inteligência situada no hemisfério cerebral esquerdo, que rotula e classifica todas as coisas. Essa inteligência gosta de colocar-se como se tivesse o monopólio da consciência. Esse, aliás, é um dos grandes obstáculos para a prática da meditação: a mente pensante não aceita passar o poder à mente que contempla e compreende a verdade sem necessidade de pensamentos.

A primeira frase dos famosos Ioga Sutras de Patañjali, o tratado milenar sobre raja ioga, afirma: “Ioga é a cessação das modificações da mente.” Para alcançar a hiperconsciência, o estado mental do êxtase divino, é necessário paralisar por um momento a mente inferior. O sábio é um ser que renunciou à inteligência convencional e optou por uma percepção que a mente comum não consegue captar. Por isso, mesmo na sociedade brasileira do século 21, se aquele que ingressa no caminho espiritual não tiver certos cuidados, pode ser considerado louco, ou idiota, pelos seus parentes e amigos. Mas, do ponto de vista do sábio, a situação se inverte e idiota é aquele que fica preso à lógica do mundo externo.

A ciência parece reforçar o ponto de vista do sábio ao afirmar que, realmente, usamos uma parcela muito pequena do potencial disponível em nosso cérebro. Esse é um dado da natureza, e não adianta discutir com a realidade. O problema não é, pois, que sejamos um tanto limitados mentalmente. O lamentável é que, sendo limitados, nos consideramos extremamente espertos. O filósofo Sócrates, escolhido como o homem mais sábio da Grécia, explicou: “Eu e os homens notáveis de Atenas nada sabemos, e a única diferença entre eu e eles é que eu, nada sabendo, sei que nada sei, enquanto eles, nada sabendo, pensam que sabem muito.”

Há um fato que nem sequer os livros de inteligência emocional confessam abertamente: quando se desperta a inteligência espiritual, perde-se, irremediavelmente, a inteligência astuciosa que permite coisas como mentir com habilidade, usar a lisonja na medida certa e falar a verdade só quando ela traz vantagens.

Daí vem a sensação de nada saber diante do mundo. A expansão mística da consciência traz consigo uma inocência idiota em relação à realidade externa, e é por isso que os sábios renunciam à agitação, preferindo uma vida retirada. Para alcançar a consciência celestial, é necessário abandonar e perder a inteligência egoísta e assumir, em certos assuntos, a aparência de um abobado.

O escritor sufi Idries Shah – um pensador místico do islamismo – escreveu um livro intitulado A Sabedoria dos Idiotas. Na abertura da obra, explicou:

“Aquilo que os homens de pensamento estreito imaginam que seja sabedoria é freqüentemente considerado loucura pelos sábios sufis. Assim os sufis, por sua vez, chamam a si mesmos de ‘idiotas’. Por uma feliz coincidência, a palavra árabe que significa ‘santo’ (wali) tem a mesma equivalência numérica que a palavra que significa ‘idiota’ (balid). Assim, temos dois motivos para ver os grandes sufis como os nossos idiotas.”

Todo aprendiz da arte de viver deve libertar-se das chantagens emocionais do que é “politicamente correto” e deixar de lado os mecanismos da idiotice coletiva organizada, que forçam a formação de consensos falsos com base em esquemas de poder.

Mas para fugir da idiotice coletiva organizada – com sua psicologia de rebanho que proíbe o indivíduo de pensar por si mesmo – é indispensável vencer o medo de que nos seja colocado o rótulo de ovelha negra, ou de idiota. Só assim poderemos viver com responsabilidade própria e independência pessoal, duas características de uma vida valiosa. Há uma história de Ramakrishna, o sábio indiano do século 19, que ilustra bem esse ponto:

“Era uma noite completamente escura, séculos atrás. De repente, um sujeito acende uma tocha para iluminar seu caminho e vai até a casa do vizinho. Ele quer pedir fogo, porque a noite está demasiado escura. Depois de muito gritar e bater na porta, o vizinho finalmente abre a porta, ouve seu pedido e responde: ‘Ah, ah, você é muito imbecil! Raciocine! Você tem uma tocha acesa na sua mão!’”.

A moral da história é que todos nós corremos o risco de fazer como o pobre coitado que bateu na porta do vizinho. A verdade eterna e a fonte da felicidade estão em nossas próprias mãos. Só dependem de nós. Mas às vezes insistimos em procurá-las nas coisas externas e pedi-las a outras pessoas, renunciando à autonomia da nossa caminhada.

Os sábios, como os idiotas, são íntegros. Eles não fingem que são inteligentes e não têm medo de errar. Tentam, erram e quebram a cara. Mas, quando acertam, são geniais. O idiota de hoje pode ser o sábio de amanhã, graças à experiência adquirida. Em compensação, aquele que não possui ânimo para tentar não tem chance alguma de aprender.

Por isso devemos criar uma cultura em que é permitido a cada um cair e levantar livremente. Porque somos todos apenas aprendizes. Erramos e aprendemos o tempo todo, e devemos estimular em cada ser humano a coragem de buscar – mesmo tropeçando – os seus sonhos mais elevados. Banindo da nossa cultura o medo do ridículo, cada um se permitirá um pouco mais de deselegância – e de autenticidade – em sua maneira de viver.

domingo, 29 de junho de 2008

Quem morre? (Pablo Neruda)

Morre lentamente quem não viaja,
quem não lê,
quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio,
quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito,
repetindo todos os dias os mesmos trajetos,
quem não muda de marca,
não se arrisca a vestir uma nova cor
ou não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.

Morre lentamente quem evita uma paixão,
quem prefere o negro sobre o branco
e os pontos sobre os "is" em detrimento de um redemoinho de emoções
justamente as que resgatam o brilho dos olhos,
sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho,
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho,
quem não se permite pelo menos uma vez na vida fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente,
quem passa os dias queixando-se da sua má sorte
ou da chuva incessante.

Morre lentamente,
quem abandona um projeto antes de iniciá-lo,
não pergunta sobre um assunto que desconheceou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves,
recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maiorque o simples fato de respirar.

Somente a perseverança fará com que conquistemos um estágio esplêndido de felicidade.

domingo, 22 de junho de 2008

Seja feliz (Autor desconhecido)

Você pode ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes. Mas não se esqueça de que sua vida é a maior empresa do mundo. E só você pode evitar que ela vá à falência.

Há muitas pessoas que precisam, admiram e torcem por você. É importante que você sempre se lembre de ser feliz e de que ser feliz não é ter um céu sem tempestades, caminhos sem acidentes, trabalho sem cansaço, relacionamentos sem decepções. Ser feliz é encontrar força no perdão, esperança nas batalhas, segurança no palco do medo e amor nos desencontros.

Ser feliz não é apenas valorizar o sorriso, mas refletir sobre a tristeza.
Não é apenas comemorar o sucesso, mas sim aprender lições nos fracassos.
Não é apenas ter júbilos nos aplausos, mas encontrar alegria no anonimato.

Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz não é uma fatalidade do destino, mas uma conquista de quem sabe viajar para dentro do seu próprio ser.
Ser feliz é deixar de ser a vítima dos problemas e se tornar autor da sua própria vida.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito de sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.

Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um “não”.
E segurança para ouvir uma crítica, mesmo que injusta.
É beijar os filhos, curtir os pais, ter momentos poéticos com os amigos, mesmo que eles nos magoem.

Ser feliz é deixar viver a criança livre, alegre e simples que mora dentro de cada um de nós.
É ter maturidade para falar "eu errei".
É ter ousadia para falar "me perdoe".
É ter sensibilidade para confessar "eu preciso de você".
É ter a capacidade de dizer "eu te amo".

Eu desejo que a vida seja um canteiro de oportunidades para você.
Que nas suas primaveras você seja amante da alegria.
Nos seus invernos, seja amigo da sabedoria.
E quando você errar o caminho, comece tudo de novo.
Pois assim você será cada vez mais apaixonado pela vida.

Descobrirá que ser feliz não é ter uma vida perfeita, mas saber usar as lágrimas para irrigar a tolerância, aproveitar as perdas para refinar a paciência e as falhas para esculpir a serenidade. É, também, usar a dor para lapidar o prazer e os obstáculos para abrir as janelas da inteligência na vida.
Jamais desista das pessoas que você ama. Jamais desista de ser feliz, pois a vida é um espetáculo imperdível.

domingo, 15 de junho de 2008

Palavras e silêncio (Florian Bernard)

Há algumas coisas que são lindas demais para serem descritas por palavras. É necessário admirá-las em silêncio e contemplação para apreciá-las em toda a sua plenitude.

São necessárias tão poucas palavras para exprimir a sua essência. As grandes falas servem, freqüentemente, só para confundir ou doutrinar. O silêncio é mais esclarecedor que um fluxo de palavras. Olhe para uma mãe diante do seu filho no berço. Ele consegue muito bem tudo o que quer sem dizer nenhuma palavra.

Na realidade, as palavras devem ser a embalagem dos pensamentos. Não adianta fazer discursos muito longos para expressar os sentimentos de seu coração. Um olhar diz muito mais que um jorro de palavras.

Creio que, em sua grande sabedoria, a natureza nos deu apenas uma língua e dois ouvidos para escutarmos mãos e falarmos menos.

Se as palavras não são mais bonitas do que o silêncio, então é preferível não dizer nada. Esta é uma grande verdade sobre a qual os grandes dirigentes deste mundo deveriam meditar. Quanto mais o coração é grande e generoso, menos úteis são as palavras...

É necessário lembrar o provérbio dos filósofos: as verdadeiras palavras não são sempre bonitas e as palavras bonitas nem sempre são verdades.

As grandes mentes fazer com que, em poucas palavras, muitas coisas sejam ouvidas. As mentes pequenas acham que têm, pelo contrário, a concessão para falar e não dizer nada. Falam bobagens, mas há aqueles que sabem o que escutar para colher.

Poucas palavras são necessárias para dizer "eu gosto de você". Portanto, todas as outras que poderiam ser ditas são supérfluas... “Sim” e “não” são as palavras mais curtas e fáceis de serem proferidas, contudo, são aquelas que trazem as mais pesadas conseqüências.

São necessários apenas dois anos para que o ser humano aprenda a falar e toda uma vida para que ele aprenda a ficar em silêncio. Ser comedido em suas palavras não é um defeito, mas prova de profunda sabedoria. Saber ouvir também.

domingo, 8 de junho de 2008

Os fidalgos e o xampu (André Petry)

O desembargador Ernesto Dória, um dos 25 presos da máfia da venda de sentenças, foi solto na madrugada de segunda-feira. Ao deixar a Polícia Federal, ajoelhou-se, fez o sinal-da-cruz e ergueu os braços para o alto.

Precisava agradecer aos céus? Bastava agradecer ao “foro privilegiado”, excrescência em nome da qual se criou a seguinte bruxaria: dos 25 presos, 21 seguem presos e quatro – um procurador e três desembargadores – estão livres como os passarinhos de Quintana.

É mais um exemplo da necessidade de acabar com o foro privilegiado, instituto que, ao remeter o julgamento de autoridades para tribunais superiores, divide o país em moradores da casa-grande e moradores da senzala.

Os defensores dizem que o foro privilegiado:

● Não fere o princípio de que todos são iguais perante a lei porque protege a função pública, e não a pessoa que a exerce. (Fosse isso, o ex-petista Juvenil Alves não teria direito a foro privilegiado porque é acusado de comandar um esquema de sonegação que desviou perto de 1 bilhão de reais dos cofres públicos. O que se protege aqui? O mandato parlamentar ou a pilantragem?)

● Não é privilégio, mas garantia jurídica para que a autoridade possa bem cumprir sua função pública. (Então, o foro privilegiado deveria ser restrito a crimes funcionais, conexos com a função. O ex-deputado Hildebranco Pascoal teve direito a foro privilegiado no processo por assassinato. Matar é crime funcional?)

● Protege as autoridades da perseguição de juízes de primeira instância e procuradores ávidos por holofotes. (Decisões de primeira instância não são irrecorríveis. Aliás, não há exemplo de autoridade “perseguida” que não tenha revertido a “perseguição”. Sem contar que são as autoridades – não os cidadãos comuns – que têm mais condição de buscar reparação judicial e reverter “perseguições”.)

● É uma garantia de que autoridades serão julgadas com justiça, por um órgão colegiado composto de magistrados experientes. (É por isso que a doméstica Maria Aparecida de Matos passou um ano e sete dias na cadeia por ter furtado um vidro de xampu. Cidadãos comuns não precisam de julgamentos justos nem de juízes experientes?)

● É uma garantia para a sociedade, pois os tribunais superiores são mais infensos à eventual pressão do acusado poderoso. (O Supremo Tribunal Federal pode não ter cedido à pressão de ninguém, mas o fato é que, na democracia, nunca condenou um deputado federal, um senador, um ministro. Nunca.)

Nos Estados Unidos, não tem foro privilegiado. Vai ver que lá não existe garantia jurídica, as autoridades não exercem bem sua função pública e vivem sendo perseguidas, e a sociedade, coitada, não sabe o que é julgamento justo.

Lembram-se dos fidalgos, dos doutores, dos membros da família do imperador, dos cavaleiros, dos escrivães da Real Câmara, que tinham foro privilegiado? Pois é, os nomes e os títulos mudaram desde o Império. Só os nomes e os títulos.

sábado, 31 de maio de 2008

O amor, quando se revela (Fernando Pessoa)

O amor, quando se revela,
não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente.
Cala: parece esquecer.

Ah, mas se ela adivinhasse,
se pudesse ouvir o olhar,
e se um olhar lhe bastasse
pra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
quem quer dizer quanto sente
fica sem alma nem fala,
fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
o que não lhe ouso contar,
já não terei que falar-lhe
porque lhe estou a falar...

domingo, 25 de maio de 2008

Política e Religião (Emir Sader)

Política e religião se fundam em duas vertentes distintas: uma, na razão, a outra, na fé. A primeira tem o potencial de sociabilidade universal, dado que não discrimina em termos de fé, embora a própria noção de razão – que o ocidentalismo expressa de forma clara – pode ser discriminatória em relação a outras formas de civilização e de cultura, como as dos povos originários na América, por exemplo. Mas pelo menos ela busca fundamentar-se em raciocínios lógicos, mesmo quando pretende identificar-se com a “civilização” e relegar as outras etnias à categoria de “barbárie”.

Pode-se argumentar politicamente, de forma racional, a favor ou contra, com argumentos científicos ou que pretendem sê-lo. Nesse debate está implícita a idéia de que não se apela a dogmas, que ninguém detêm a priori verdades reveladas, que ninguém pertence a algum povo escolhido, com destino privilegiado.

Em um Estado republicano, todo mundo deve ter o direito de ter uma religião ou de ser humanista – isto é, de colocar o homem e não algum deus, no centro do mundo. Trata-se de uma escolha da esfera privada, que não dá privilégio ou inferioridade a ninguém pelas escolhas que faça.

Os Estados religiosos não são democráticos, ao identificar-se com uma religião em particular, em detrimento das outras, classificando os cidadãos nos de primeira classe – da religião oficial – e de segunda, as das outras ou dos humanistas. Nas versões muçulmanas ou judias, por exemplo, ao promover o ensino de uma determinada religião e ao privilegiar os direitos públicos dos seus adeptos, os Estados não são democráticos.

A exacerbação da intromissão da religião na política nas relações de cidadania, tem produzido aberrações. Nos EUA o governo Bush promove, no ensino público – que deveria, por definição, ser laico – a teoria da criação do mundo por Deus em detrimento da teoria evolucionista, além de se opor à pesquisa com células-tronco. Em muitas partes do mundo – inclusive agora no Brasil – religiões se opõem ao aborto – como se opuseram, no passado, ao divórcio -, fazendo inclusive campanhas públicas pela não-legalização do aborto, nem sequer em situações limite de gravidez produzida por estupro e de riscos graves à saúde da mãe. No caso das células-tronco, se usa feto de menos de 2 semanas, que não seriam utilizados para reprodução, mas ainda assim igrejas se opõem, supostamente defendendo a vida, quando na verdade estão condenando à morte e, antes disso, a uma vida vegetativa, a centenas de milhares de pessoas com doenças como o Alzheimer ou outras de caráter degenerativo.

Qualquer religião tem todo o direito de recomendar a seus fiéis que não recorram ao aborto ou que não se prestem a que seus fetos sejam utilizados para pesquisas de células-tronco. Mas não podem impor seus pontos de vista como obrigatórios ao conjunto da sociedade, composta por pessoas de distintos credos religiosos e por humanistas, sem religião. É um assunto de fé, que deve ser tratado na esfera privada. Nenhuma mulher é obrigada a fazer aborto, mas o que uma sociedade democrática, pluralista, um Estado republicano tem que garantir, é a livre escolha das mulheres para decidir a respeito do seu corpo e da sua reprodução. As escolhas religiosas pertencem à esfera privada, devem ser garantidas e manter-se nesse plano, uma conquista laica e republicana do mundo moderno, contra as concepções dogmáticas e obscurantistas.