domingo, 30 de novembro de 2008

Todo homem é folgado? (Adriano Silva)

É uma história comum. Numa separação, os filhos ficam com a mulher. O sujeito não reclama. Vai no vácuo do desejo dela, que jamais admitiria a hipótese de não ficar com os filhos. Aí ele se descobre confortável nessa posição. Se esconde ali, na tepidez daquela irrelevância. Vai tirando paulatinamente o pé do acelerador. Se deixa afastar do veículo que leva seus filhos – quase sempre para bem longe dele. O sujeito vai ficando cada vez mais distante, menos presente, menos relevante. Deixa de participar. Deixa de influir, de opinar. Vira visita. Uma visita rara e nem sempre desejada. Vira um estranho. Um forasteiro no seio daquilo que um dia foi a sua família. Ou seja: o sujeito se separa da mulher e aproveita para se apartar dos filhos também. Ele deixa de ser pai.

Às vezes nem é preciso haver um divórcio para que esse afastamento aconteça. Não é raro ver, na divisão de responsabilidades do casal, os filhos ficarem totalmente na conta da mãe. O pai está em casa, mas é como se não estivesse. Paga as contas, senta no sofá com o jornal, assiste à televisão, se tranca no banheiro. Os filhos sabem que ele está no quarto, no escritório, que está no trabalho ou viajando. Mas trata-se de uma figura masculina ausente, longínqua, inacessível. É como se os filhos pertencessem ao departamento da mãe e fossem obrigados a acessá-la preferencialmente. Como se o pai, convenientemente, tivesse de respeitar essa organização e, para não adentrar o território da mãe, falasse apenas o estritamente necessário com os filhos. E não se envolvesse emocionalmente com eles.

Nem sempre é assim. Tem muito pai que faz questão de estar presente. Se mora com a família, participa, ajuda na lida da casa, senta à mesa de jantar e puxa conversa, pergunta das coisas da escola, quer conhecer os amigos e os namorados. Distribui tarefas, faz planos, dá bronca, elogia. E se envolve emocionalmente, se mostra solícito, oferece experiências e sentimentos. Se não mora mais com a mãe, faz questão de se manter próximo, quer estar inteirado de tudo que acontece, participa da orientação dos filhos, e às vezes até concorda em aturar o novo namorado da mãe só para oferecer aos filhos um ambiente mais harmonioso.

Mas é fato que há um número enorme de homens que se desincumbe dos filhos – principalmente na separação. Que simplesmente entrega os rebentos à guarda da mãe: "Toma que os filhos são teus". E que acha que o divórcio equivale a uma volta à vida solteira, boêmia, sem compromissos. Tem cara, por exemplo, que decide mudar de carreira exatamente nesse momento. E se permite meses, às vezes anos, de recomeço mal remunerado. Uma coisa que as mães jamais fariam, por mais que detestem seu emprego atual, porque sabem que elas não podem faltar na hora de colocar comida dentro de casa. Os homens se dão esse luxo com mais facilidade. Muito porque sabem que, em última instância, podem contar com elas. As mulheres, ao contrário, não o fazem precisamente porque sabem que, na maioria dos casos, não poderão contar com eles.

É curioso que isso aconteça, mesmo quando os filhos são projetos decididos a dois por casais modernos. Por que será que existe essa diferenciação entre homens e mulheres no que toca à sensação de obrigação e de responsabilidade sobre o sustento e o bem-estar dos pimpolhos? Como um pai que não paga pensão, não contribui com o colégio ou com a comida dos filhos, pode tomar uma cerveja, ou comprar um sapato novo, ou levar a nova namorada a um motel é coisa que não consigo entender.

domingo, 23 de novembro de 2008

Cala a boca, FHC! (Emir Sader)

Quem disse: “A globalização é o novo Renascimento da humanidade.”

Quem disse: “Quem acabou com a inflação, vai acabar com o desemprego.”

Quem disse: “Esqueçam o que eu escrevi.”

Quem disse: “Vou virar a página do getulismo.”

Quem disse, no último comício de Alckmin, no segundo turno, com a camisa fora da calça, desesperado: “Lula, você acabou, você morreu.”

Quem disse: “O Estado brasileiro gasta muito e gasta mal” e entregou o Estado com a dívida pública 11 vezes maior.

Quem disse: “Eu tenho um pé na cozinha” e depois de terminado o mandato, cinicamente acrescentou: “na cozinha francesa”.

Quem quebrou a economia brasileira três vezes e na última, em 1999, subiu a taxa de juros para 49%?

Quem reprimiu e tentou criminalizar os movimentos sociais?

Quem fez a Petrobras mudar de nome para Petrobrax, para tentar privatizá-la. Quem vendeu 1/3 das ações da Petrobras nas bolsas de valores de Nova York e de São Paulo? Quem quebrou o monopólio estatal do petróleo no Brasil?

Quem comprou votos de parlamentares para mudar a Constituição e conseguir um segundo mandato?

Quem aumentou como nunca o trabalho precário no Brasil?

Quem entregou o patrimônio público a preço de banana aos grandes capitais privados nacionais e internacionais, depois de sanear empresas públicas com dinheiro do BNDES e financiar essa transferência com juros subsidiados, no maior caso de corrupção da história brasileira.

Quem disse que os trabalhadores brasileiros são preguiçosos?

Quem disse que o Brasil tem vários milhões de pessoas “inimpregáveis”?

Quem sumiu o Brasil na longa recessão a partir de 1999, que só foi superada no governo Lula?

Quem quase liquidou o Mercosul com suas idéias de livre comércio e de prioridade de comércio com os países do norte?

Quem promoveu a mais ampla privatização da educação no Brasil?

Quem fracassou e teve seu governo largamente rejeitado quando seu candidato foi derrotado em 2002?

Quem não conseguiu nem que o candidato do seu partido defendesse seu governo nas eleições de 2006?

Quem é o político atualmente mais rejeitado pelo povo brasileiro, como tendo sido o presidente dos ricos?

Quem tinha o apoio de 18% dos brasileiros a esta altura do mandato, quando Lula tem 80% de apoio e 8% de rejeição.

Quem disse e fez tudo isso, FHC, deve calar a boca para sempre. O povo o rejeitou, o Brasil o rejeitou, democraticamente.

CALA A BOCA, FHC!

domingo, 16 de novembro de 2008

Cazuza, um ídolo? (Karla Christine)

Fui ver o filme Cazuza há alguns dias e me deparei com uma coisa estarrecedora. As pessoas estão cultivando ídolos errados. Como podemos cultivar um ídolo como Cazuza? Concordo que suas letras são muito tocantes, mas reverenciar um marginal como ele, é, no mínimo, inadmissível.

Marginal, sim, pois Cazuza foi uma pessoa que viveu à margem da sociedade, pelo menos uma sociedade que tentamos construir (ao menos eu) com conceitos de certo e errado. No filme, vi um rapaz mimado, filhinho de papai que nunca precisou trabalhar para conseguir nada, já tinha tudo nas mãos. A mãe vivia para satisfazer as suas vontades e loucuras. O pai preferiu se afastar das suas responsabilidades e deixou a vida correr solta.

São esses pais que devemos ter como exemplo?

Cazuza só começou a gravar pois o pai era diretor de uma grande gravadora. Existem vários talentos que não são revelados por falta de oportunidade ou por não terem algum conhecido importante.

Cazuza era um traficante, como sua mãe revela no livro, admitiu que ele trouxe drogas da Inglaterra, um verdadeiro criminoso. Concordo com o juiz Siro Darlan quando ele diz que a única diferença entre Cazuza e Fernandinho Beira-Mar é que um nasceu na zona sul e outro não.

Fiquei horrorizada com o culto que fizeram a esse rapaz, principalmente por minha filha adolescente ter visto o filme. Precisei conversar muito para que ela não começasse a pensar que usar drogas, participar de bacanais, beber até cair e outras coisas fossem certas, já que foi isso que o filme mostrou.

Por que não são feitos filmes de pessoas realmente importantes que tenham algo de bom para essa juventude já tão transviada? Será que ser correto não dá Ibope, não rende bilheteria?

Como ensina o comercial da Fiat, precisamos rever nossos conceitos, só assim teremos um mundo melhor. Devo lembrar aos pais que a morte de Cazuza foi conseqüência da educação errônea a que foi submetido.

Será que Cazuza teria morrido do mesmo jeito se tivesse tido pais que dissessem NÃO quando necessário?

Lembrem-se, dizer NÃO é a prova mais difícil de amor.
Não deixem seus filhos à revelia para que não precisem se arrepender mais tarde. A principal função dos pais é educar. Não se preocupem em ser 'amigo' de seus filhos. Eduque-os e mais tarde eles verão que você foi a pessoa que mais os amou e foi, é, e sempre será, o seu melhor amigo, pois amigo não diz SIM sempre.

domingo, 9 de novembro de 2008

Pátria madrasta vil (Clarice Zeitel Vianna Silva)

Onde já se viu tanto excesso de falta? Abundância de inexistência... Exagero de escassez... Contraditórios?? Então aí está! O novo nome do nosso país! Não pode haver sinônimo melhor para Brasil.

Porque o Brasil nada mais é do que o excesso de falta de caráter, a abundância de inexistência de solidariedade, o exagero de escassez de responsabilidade. O Brasil nada mais é do que uma combinação mal engendrada - e friamente sistematizada - de contradições.

Há quem diga que 'dos filhos deste solo és mãe gentil.', mas eu digo que não é gentil e, muito menos, mãe. Pela definição que eu conheço de mãe, o Brasil está mais para madrasta vil. A minha mãe não 'tapa o sol com a peneira'. Não me daria, por exemplo, um lugar na universidade sem ter-me dado uma bela formação básica.

E mesmo há 200 anos atrás não me aboliria da escravidão se soubesse que me restaria a liberdade apenas para morrer de fome. Porque a minha mãe não iria querer me enganar, iludir. Ela me daria um verdadeiro Pacote que fosse efetivo na resolução do problema, e que contivesse educação + liberdade + igualdade.

Ela sabe que de nada me adianta ter educação pela metade, ou tê-la aprisionada pela falta de oportunidade, pela falta de escolha, acorrentada pela minha voz-nada-ativa. A minha mãe sabe que eu só vou crescer se a minha educação gerar liberdade e esta, por fim, igualdade. Uma segue a outra... Sem nenhuma contradição!

É disso que o Brasil precisa: mudanças estruturais, revolucionárias, que quebrem esse sistema-esquema social montado; mudanças que não sejam hipócritas, mudanças que transformem!

A mudança que nada muda é só mais uma contradição. Os governantes (às vezes) dão uns peixinhos, mas não ensinam a pescar. E a educação libertadora entra aí. O povo está tão paralisado pela ignorância que não sabe a que tem direito. Não aprendeu o que é ser cidadão.

Porém, ainda nos falta um fator fundamental para o alcance da igualdade: nossa participação efetiva; as mudanças dentro do corpo burocrático do Estado não modificam a estrutura. As classes média e alta - tão confortavelmente situadas na pirâmide social - terão que fazer mais do que reclamar (o que só serve mesmo para aliviar nossa culpa)... Mas estão elas preparadas para isso?

Eu acredito profundamente que só uma revolução estrutural, feita de dentro pra fora e que não exclua nada nem ninguém de seus efeitos, possa acabar com a pobreza e desigualdade no Brasil.

Afinal, de que serve um governo que não administra? De que serve uma mãe que não afaga? E, finalmente, de que serve um Homem que não se posiciona?
Talvez o sentido de nossa própria existência esteja ligado, justamente, a um posicionamento perante o mundo como um todo. Sem egoísmo. Cada um por todos...

Algumas perguntas, quando auto-indagadas, se tornam elucidativas. Pergunte-se: quero ser pobre no Brasil? Filho de uma mãe gentil ou de uma madrasta vil? Ser tratado como cidadão ou excluído? Como gente... Ou como bicho?

domingo, 2 de novembro de 2008

Criando um monstro (Maria Isabel Alves)

O que pode criar um monstro? O que leva um rapaz de 22 anos a estragar a própria vida e a vida de outras duas jovens por... Nada?

Será que é índole? Talvez, a mídia? A influência da televisão? A situação social da violência? Traumas? Raiva contida? Deficiência social ou mental?

Permissividade da sociedade? O que faz alguém achar que pode comprar armas de fogo, entrar na casa de uma família, fazer reféns, assustar e desalojar vizinhos, ocupar a polícia por mais de 100 horas e atirar em duas pessoas inocentes?

O rapaz deu a resposta: "ela não quis falar comigo". A garota disse não, não quero mais falar com você. E o garoto, dizendo que ama, não aceitou um não. Seu desejo era mais importante.

Não quero ser mais um desses psicólogos de araque que infestam os programas vespertinos de televisão, que explicam tudo de maneira muito simplista e falam descontextualizadamente sobre a vida dos outros sem serem chamados. Mas ontem, enquanto não conseguia dormir pensando nesse absurdo todo, pensei que o não da menina Eloá foi o único. Faltaram muitos outros nãos nessa história toda.

Faltou um pai e uma mãe dizerem que a filha de 12 anos NÃO podia namorar um rapaz de 19. Faltou uma outra mãe dizer que NÃO iria sucumbir ao medo e ir lá tirar o filho do tal apartamento a puxões de orelha. Faltou outros pais dizerem que NÃO iriam atender ao pedido de um policial maluco de deixar a filha voltar para o cativeiro de onde, com sorte, já tinha escapado com vida. Faltou a polícia dizer NÃO ao próprio planejamento errôneo de mandar a garota de volta pra lá. Faltou o governo dizer NÃO ao sensacionalismo da imprensa em torno do caso, que permitiu que o tal seqüestrador conversasse e chorasse compulsivamente em todos os programas de TV que o procuraram.

Simples assim. NÃO. Pelo jeito, a única que disse não nessa história foi punida com uma bala na cabeça.

O mundo está carente de nãos. Vejo que cada vez mais os pais e professores morrem de medo de dizer não às crianças. Mulheres ainda têm medo de dizer não aos maridos (e alguns maridos, temem dizer não às esposas). Pessoas têm medo de dizer não aos amigos. Noras que não conseguem dizer não às sogras. Chefes que não dizem não aos subordinados. Gente que não consegue dizer não aos próprios desejos. E assim são criados alguns monstros. Talvez alguns não cheguem a seqüestrar pessoas. Mas têm pequenos surtos quando escutam um não, seja do guarda de trânsito, do chefe, do professor, da namorada, do gerente do banco.

Essas pessoas acabam crendo que abusar é normal. E que é legal.

Os pais dizem, 'não posso traumatizar meu filho'. E não é raro eu ver alguns tomando tapas de bebês com 1 ou 2 anos. Outros gastam o que não têm em brinquedos todos os dias e festas de aniversário faraônicas para suas crias. Sem falar nos adolescentes. Hoje em dia, é difícil ouvir alguém dizer:

Não, você não pode bater no seu amiguinho.
Não, você não vai assistir a uma novela feita para adultos.
Não, você não vai fumar maconha enquanto for contra a lei. Não, você não vai passar a madrugada na rua.
Não, você não vai dirigir sem carteira de habilitação.
Não, você não vai beber uma cervejinha enquanto não fizer 18 anos.
Não, essas pessoas não são companhias pra você.
Não, hoje você não vai ganhar brinquedo ou comer salgadinho e chocolate.
Não, aqui não é lugar para você ficar.
Não, você não vai faltar na escola sem estar doente.
Não, essa conversa não é pra você se meter.
Não, com isto você não vai brincar.
Não, hoje você está de castigo e não vai brincar no parque.

Crianças e adolescentes que crescem sem ouvir bons, justos e firmes NÃOS crescem sem saber que o mundo não é só deles. E aí, no primeiro não que a vida dá (e a vida dá muitos) surtam.

Usam drogas. Compram armas. Transam sem camisinha. Batem em professores. Furam o pneu do carro do chefe. Chutam mendigos e prostitutas na rua. E daí por diante.

Não estou defendendo a volta da educação rígida e sem diálogo, pelo contrário. Acredito piamente que crianças e adolescentes tratados com um amor real, sem culpa, tranqüilo e livre, conseguem perfeitamente entender uma sanção do pai ou da mãe, um tapa, um castigo, um não. Intuem que o amor dos adultos pelas crianças não é só prazer - é também responsabilidade. E quem ouve uns nãos de vez em quando também aprende a dizê-los quando é preciso.

Acaba aprendendo que é importante dizer não a algumas pessoas que tentam abusar de nós de diversas maneiras, com respeito e firmeza, mesmo que sejam pessoas que nos amem. O não protege, ensina e prepara.

Por mais que seja difícil, eu tento dizer não aos seres humanos que cruzam o meu caminho quando acredito que é hora - e tento respeitar também os nãos que recebo. Nem sempre consigo, mas tento. Acredito que é aí que está a verdadeira prova de amor. E é também aí que está a solução para a violência cada vez mais desmedida e absurda dos nossos dias.