domingo, 10 de novembro de 2013

E quanto vale a vida de um não-juiz? (Bruno Momesso Bertolo)


Em 05 de novembro passado, o Jornal de Limeira publicou um artigo intitulado "Quanto vale a vida de um juiz?", de autoria do Exmo. Dr. Cláudio dell’Orto, Presidente da Associação de Magistrados do Estado do Rio de Janeiro. Referida indagação será respondida ao final deste texto, pois são imprescindíveis algumas ponderações.

De fato, "a Magistratura é uma carreira que impõe limitações à conduta cotidiana dos profissionais, inclusive pertinentes à segurança", além de ser "uma profissão que deve ter remuneração compatível com os riscos a ela inerentes". Entretanto, neste ponto é imperioso inquirir: e os salários de policiais e bombeiros, que arriscam suas vidas todos os dias em cada ocorrência?

Também é verdade que os juízes possuem "responsabilidades como guardiões dos direitos e deveres e garantidora das prerrogativas democráticas", todavia, tal encargo é compartilhado e mitigado pelos servidores que os assessoram, cujos vencimentos não são proporcionalmente compatíveis em relação às tarefas realizadas. Ademais, responsabilidade muito maior é do piloto de um avião 767, haja vista que um único erro pode acarretar na morte de aproximadamente 300 pessoas.

Por outro lado, discordo da premissa na qual foi afirmado que "uma remuneração adequada certamente permite que os cidadãos disponham de um Judiciário melhor". Afinal, uma lenda urbana narra que há magistrados que reclamam do elevado volume de serviço, contudo, dificilmente comparecem ao local de trabalho no período matutino. Talvez seja um folclore nacional. E, antecipando uma provável réplica, já consigno que talvez estejam laborando em suas residências. Algo é certo: embora os valores dos holerites dos julgadores aumentem, a celeridade dos processos judiciais não acompanham idêntico desempenho, afrontando ao mandamento da razoável duração do processo previsto no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal.

Se "há cerca de 500 juízes ameaçados no Brasil atualmente", há milhões de cidadãos brasileiros coagidos por diversos motivos, sendo que aludidas pessoas não detêm veículos blindados e porte de arma de fogo para proteção, razões pelas quais, não raro, são assassinados por ausência de amparo jurisdicional e estatal.

Diante de todo o exposto, urge retornar ao início, em atenção ao questionamento realizado no título da redação do ilustre magistrado. A vida de um juiz vale o mesmo que a vida de um não-juiz. Afinal, trata-se de um bem jurídico imensurável, independentemente de cargo, gênero, raça, classe social, faixa etária, posição política, orientação sexual, religião, etc. Portanto, considero despropositada a pergunta sobre quanto representa a vida de um juiz. Porém, posso ser voto vencido. E sem direito a embargos infringentes.

domingo, 27 de outubro de 2013

Aberrações de nossa legislação penal – Parte 4 (Bruno Momesso Bertolo)



Com o presente artigo encerraremos a dissecação de alguns dos inúmeros desvarios de nossa retrógrada legislação penal.



A subtração de veículos é um crime de combate complexo. Nos EUA e na Inglaterra são utilizados carros-iscas, cujos índices de êxito são excelentes. Na nação ianque, automóveis com vidros blindados e controlados remotamente são estacionados nas vias públicas e, uma vez apreendido um ladrão em seus interiores, a respectiva prisão é realizada. Por outro lado, na pátria inglesa são deixados objetos de valores à mostra no banco do passageiro do carro-isca, os quais, ao serem agarrados pelo bandido, acionam um sistema (com câmera de monitoramento) localizado na entrada de ar do painel, que lança uma tinta invisível (perceptível apenas com luz ultravioleta) que marcará o criminoso por até dois meses. Tratam-se, evidentemente, de modos eficazes de inibir citado delito, porque são realizadas inúmeras detenções nestas ocasiões, além de gerar receio nos marginais. No Brasil sobreditas atuações policiais não ocorrem porque de nada adiantariam, pois o flagrante seria considerado inválido e o detido seria liberado, já que, conforme a doutrina e jurisprudência penais, tais circunstâncias configuram o flagrante preparado. Em outras palavras, alega-se que as mencionadas ações policiescas criam situações que na verdade não existem, portanto, é uma armadilha contra o delinquente, que sequer será processado, haja vista que as provas eventualmente colhidas serão reputadas nulas.



Outra situação, infelizmente corriqueira: o usuário de entorpecentes que furta bens móveis da residência dos pais. Os genitores, exaustos de terem os frutos de seus esforços desfalcados, se dirigem ao Distrito Policial mais próximo, visando lavrar boletim de ocorrência por furto. Lá são informados pelo escrivão que nada pode ser feito a respeito, no que as vítimas acreditam que se trata de inércia dos agentes públicos. Não é! O artigo 181 do Código Penal prevê as denominadas escusas absolutórias, isto é, situações em que determinados delitos não são passíveis de punição. Isso mesmo! Conforme referida norma penal, aquele que comete algum crime contra o patrimônio de ascendente ou descendente, bem como do cônjuge na constância do casamento, é isento de pena. Fantástico, não? Se não bastasse o dissabor do furto sofrido, os pais ainda se sentirão desamparados pelo Estado. Uma ressalva: o artigo 183 do Código Penal determina que não se aplicam aludidas escusas absolutórias se o crime for perpetrado com emprego de grave ameaça ou violência à pessoa, ao estranho que participa do delito e/ou se o crime for praticado contra idoso (idade igual ou superior a 60 anos). Nas entrelinhas, parece que nosso Código Penal entende ser lícito ao filho apropriar-se dos bens de seus pais, uma antecipação de herança unilateral e coagida. Absurdo é pouco!



As anomalias abordadas nos 4 artigos são somente ilustrações, pois haveria muito mais a ser tratado. Melhor parar por aqui.

domingo, 22 de setembro de 2013

Aberrações de nossa legislação penal – Parte 3 (Bruno Momesso Bertolo)


Após a veiculação de algumas notícias locais, quais sejam, de um crime de elevada repercussão da década de 90 e de um abuso sexual ocorrido há mais de 20 anos, decidi retomar essa série de artigos, destinada a abordar as principais (já que são muitas) aberrações de nossa legislação penal. Afinal, em sobreditos delitos a impunidade será vitoriosa, já que existe um nefasto instituto penal: a prescrição.

O artigo 109 do Código Penal estipula os prazos prescricionais, que variam conforme o máximo da pena privativa de liberdade abstratamente cominada ao crime. Os prazos previstos são de 3, 4, 8, 12, 16 ou 20 anos e, uma vez constatados, ensejam a extinção da punibilidade (leia-se geram a impunidade). Alega-se que a prescrição é necessária porque não pode pairar sobre o acusado uma permanente ameaça de penalidade, bem como para evitar a ineficiência do Estado. Muito comovente! Ou seria constrangedor?

Por sua vez, a Constituição Federal prevê duas exceções à prescrição: o racismo (artigo 5º, XLII) e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (artigo 5º, XLIV). No mais, a prescrição se aplica a todas as demais infrações penais, inclusive os crimes hediondos. Não é incrível?

Imagine a situação: uma pessoa comete um homicídio qualificado e empreende fuga, se escondendo por 20 anos. Transcorrido tal período ela regressa e confessa o delito. Entretanto, nada poderá ser feito em seara penal, pois o crime estará prescrito. Isso é justiça?

Existe explicação plausível que justifique o fato de 2 crimes serem imprescritíveis e os outros não? Alguém considera a ação de grupos armados ou o racismo mais grave que um homicídio, um estupro ou um roubo, por exemplo? Um cidadão assassinado não retorna do além e o trauma de uma vítima, não raro, permanece por toda a sua existência. Por que o cidadão trabalhador pode ter a constante ameaça de ser o próximo alvo dos facínoras e os marginais não podem ter a eterna intimidação da punição?

A meu ver a prescrição possui uma única e pérfida finalidade: propiciar a impunidade, especialmente das classes mais abastadas. Com efeito, um indivíduo de boas posses poderá contratar bons advogados que se dedicarão em sua causa, interpondo inúmeros recursos protelatórios (vide os embargos infringentes em discussão no STF), até o advento da prescrição, que extinguirá o respectivo processo. Se isso não for o bastante e for eventualmente condenado, então o réu endinheirado poderá fugir do país e permanecer no exílio até sobrevir a prescrição, quando então voltará livre, leve e solto, sem quaisquer possibilidades de prisão.

O brilhante Rui Barbosa afirmava: "Justiça tardia não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta". O que dizer quando a justiça sequer é feita?

domingo, 11 de agosto de 2013

Pai ou genitor, pequena grande diferença (Bruno Momesso Bertolo)


Nossos dicionários atribuem definições semelhantes aos termos "pai" e "genitor", considerando-os até como sinônimos. Todavia, ouso discordar, pois, sobretudo nos dias atuais, há uma pequena grande diferença entre ser pai e ser genitor.

Genitor é aquele que concebe a vida de sua prole por meio da carga genética; pai é aquele que daria sua vida por seu filho. O verbo mais conjugado pelo pai é o renunciar, embora se sinta realizado. O verbo mais praticado pelo genitor é o reclamar, sentindo-se frustrado por ter deveres relacionados aos filhos.

Pai é quem repreende com firmeza, impondo regras e falando "não" aos filhos, apesar de assim agir com a alma e o coração destroçados. Genitor é quem permite o filho fazer tudo o que quiser, sem quaisquer limites, seja porque possui ótica distorcida do conceito de felicidade, seja porque é uma postura cômoda.

Pai atende aos anseios do filho assim que se demonstram necessários, oferecendo carinho, zelo e atenção; genitor acolhe os desejos do filho quando lhe convém e, quando o faz, atua de forma automática e instintiva, como se fosse uma mera obrigação, da qual quer se livrar o quanto antes.

O pai educa seu filho para que ele tenha os únicos bens que levaremos dessa vida efêmera: o caráter e as virtudes. Por outro lado, o genitor cria herdeiros, acreditando que o maior valor que possa deixar para sua prole seja o de natureza financeira.

Quando ocorre o divórcio do casal, surge a figura do ex-marido, todavia, não existe ex-pai, ainda que muitos assim de comportem. Quem é pai contribui espontaneamente com a pensão alimentícia do(s) filho(s), com valores justos e aptos a propiciar-lhes bem-estar, independentemente de decisão judicial. Para quem é genitor, os alimentos são considerados um fardo, sendo concedidos apenas por pairar a ameaça de prisão civil, não sendo raros aqueles que sonegam suas remunerações para terem quantias menores a serem pagas a seus filhos.

Aquele que foi pai dificilmente não será amparado por seus filhos na velhice ou na doença, quando os polos se invertem, cabendo à prole destinar cuidados ao ascendente. Enquanto isso, aquele que foi genitor será abandonado por seus filhos e permanecerá sozinho nesta fase da existência, culpando-os por sua situação, como se tal circunstância não fosse fruto do que plantou.

A você que é pai, parabéns pelo dia! Comemore-o e aproveite-o plenamente ao lado de seu filho e família. A você que é genitor, nunca é tarde para mudar. Seu filho agradecerá, mas o maior beneficiado será você mesmo. Por derradeiro, o mais importante: parabéns e abraços, meu querido pai!. Obrigado por tudo!