Um episódio recente, no qual meu nome foi indevidamente envolvido, proporcionou algumas reflexões, as quais considero oportuno compartilhar. Explico. Alguns parentes distantes foram abordados por policiais militares porque estariam ameaçando vizinhos, ocasião em que teriam alegado serem meus familiares, atribuindo a mim o cargo (que não ocupo) de Promotor de Justiça. Diante desta informação, conforme asseverado pelas pessoas que acionaram a Polícia, os milicianos demonstraram intimidação, além de desconcerto em lidar com referida situação.
Sobredita
conduta possui denominação. Trata-se da famigerada e nefasta carteirada, conjuntura
em que uma autoridade, um milionário ou uma celebridade (bem como seus
familiares) procuram se valer de sua influência para obter tratamentos
privilegiados, intimidar e/ou ficar impune. É comum ser precedida pela repugnante
indagação: "você sabe com quem está falando?".
Os policiais não deveriam ter se atemorizado, pois, se eventualmente referidos indivíduos fossem íntimos de uma autoridade, isso não significa que estão incólumes a prestarem esclarecimentos, serem investigados e, se necessário, detidos. Entretanto, em ocasiões desta natureza, não é rara a punição daquele que age consoante os ditames legais, porque ousou enfrentar uma personalidade “importante” ou seu familiar. Infelizmente, é uma prática histórica e enraizada em nossa sociedade, portanto, difícil de ser extirpada.
Neste ponto, urge lembrar o emblemático caso do Juiz de Direito que matou o vigia de um supermercado, pura e simplesmente porque o funcionário o impediu de entrar no estabelecimento comercial, que havia acabado de fechar. Segundo relatos de testemunhas, o meritíssimo afirmava que ingressaria no comércio porque era uma autoridade e, diante da educada recusa do segurança, o assassinou. A ideologia da carteirada contribuiu para o homicídio, pois, em sua ótica tacanha e distorcida, o magistrado acreditava que teve sua autoridade afrontada. E que isso bastava para ceifar uma vida, pasmem!
De
outro lado, há o exemplo de Mahatma Gandhi, que criou comunidades rurais
baseadas na subsistência (ashram), nas quais todos os integrantes realizaram
todas as funções. Certo dia, sua esposa Kasturba, profundamente insatisfeita,
indagou porque deveria limpar as latrinas, já que era casada com o líder do
local. Gandhi, em sua peculiar e infinita sabedoria, afirmou-lhe: "Uma razão a
mais para você realizar tal tarefa". E sua mulher entendeu.
Noutras palavras: autoridades são servidores da população. Ninguém é autoridade, mas está autoridade. Nenhuma condição mundana é permanente e um dia cessará, seja com a aposentadoria, seja com o falecimento. Restará apenas o que importa: o caráter. O respeito e a admiração que as autoridades merecem se devem não pelo cargo que possuem, mas por suas condutas ilibadas, pautadas pela humildade e discrição. No mais, utilizar-se do cargo público para fins particulares nada mais é do que um ato de corrupção.
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