domingo, 5 de junho de 2011

Um ato quase incondicional (Bruno Momesso Bertolo)

Dia 25 de maio foi o Dia Nacional da Adoção. Na edição de mencionada data, o Jornal de Limeira publicou matéria na qual narrava que, em Limeira, há o dobro de casais habilitados para a adoção em relação ao número de crianças e adolescentes aptos a serem adotados. O maior dos empecilhos para a adoção se efetivar é o perfil escolhido pelos adotantes, que almejam, em regra, infantes com até dois anos de idade e caucasianos. Em alguns casos, preferem até que sejam do sexo feminino.

Aliás, por qual motivo existe sobredito perfil? Por que reduzir um ser humano à uma condição materialista, aceitando-o unicamente se atender determinadas especificações e/ou preferências?

Eis um grave equívoco, totalmente contraditório ao ato de adotar. Semanticamente, o verbo “adotar” até pode significar “escolher” e/ou “optar”, porém, sobretudo por se tratar de pessoas, a expressão mais adequada seria “aceitar” e/ou “acolher”. Assim sendo, não se atrela a qualquer conjuntura.

Talvez os adotantes optem por crianças de tenra idade acreditando que tal circunstância facilitará a aceitação do adotado, o que não creio ser verdade. Com efeito, se o adotado souber desde o início de sua condição, não haverá o impacto emocional de saber que não pertence ao grupo genético da família com a qual convive. Compreenderá, também, que os adotantes acolheram-no em razão de amá-lo infinitamente, algo que alguns genitores não ostentam.

É possível, ademais, que candidatos brancos não escolham afro-descendentes (e vice-versa) em decorrência do racismo que permeia a sociedade brasileira, visando evitar prováveis dissabores pela coloração diferente da pele entre pais e filho. Faz sentido, mas se trata de uma postura cômoda e simplista. Afinal, os preconceitos somente ruirão quando a população for confrontada com situações com as quais não está habituada, vivenciando-as e, posteriormente, assimilando-as (ainda que não as aceite).

O perfil exigido para a adoção é desnecessário para aqueles que entendem o verdadeiro sentido da adoção. Traçando um paralelo, seria como os pais biológicos renegar seu descendente porque uma ou outra característica não o agrada. Apenas a genética distingue a adoção e a paternidade biológica. Ambas demandam um esforço hercúleo e não é o referido perfil que facilitará as responsabilidades inerentes.

Neste ponto, urge mencionar o excelente filme “Um sonho possível” (The blind side), que retrata a história verídica de Michael Oher, valioso atleta de futebol americano. Ele, um adolescente negro, sem-teto e na iminência de completar a maioridade, foi adotado por um casal de brancos, os quais enfrentaram diversos questionamentos, um dos quais é muito surpreendente e revelado ao final. Em uma de minhas cenas favoritas, Leigh Anne (a adotante) conversa com suas amigas, quando uma delas diz que ela está mudando a vida do jovem rapaz. De imediato, Leigh Anne responde, com os olhos lacrimejantes: “Não, ele é quem está mudando a minha”.

A adoção é, essencialmente, um ato de amor. Portanto, incondicional. Ou melhor, quase incondicional. Há tão-somente um aspecto fundamental: a empatia espiritual entre adotante e adotado, que pode ser aferida, por exemplo, com um mero olhar. Algo que perfil algum poderia alcançar.

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