sábado, 5 de abril de 2008

Hamilton Naki (The Economist)

Hamilton Naki, um sul-africano negro de 78 anos, morreu no final de maio de 2005. A notícia rendeu poucas manchetes, mas a história dele é uma das mais extraordinárias do século 20. "The Economist" contou-a em seu obituário:

Naki era um grande cirurgião. Foi ele quem retirou do corpo da doadora o coração transplantado para o peito de Louis Washkanky em dezembro de 1967, na cidade do Cabo, na África do Sul, na primeira operação de transplante cardíaco humano bem-sucedida.

É um trabalho delicadíssimo. O coração doado tem de ser retirado e preservado com o máximo cuidado. Naki era talvez o segundo homem mais importante na equipe que fez o primeiro transplante cardíaco da história. Mas não podia aparecer porque era negro no país do apartheid.

O cirurgião-chefe do grupo, o branco Christiaan Barnard, tornou-se uma celebridade instantânea. Mas Hamilton Naki não podia nem sair nas fotografias da equipe. Quando apareceu numa, por descuido, o hospital informou que era um faxineiro.

Naki usava jaleco e máscara, porém jamais estudara medicina ou cirurgia. Tinha largado a escola aos 14 anos. Era jardineiro na Escola de Medicina da Cidade do Cabo. Todavia, aprendia depressa e era curioso. Tornou-se o faz-tudo na clínica cirúrgica da escola, onde os médicos brancos treinavam as técnicas de transplante em cães e porcos.

Começou limpando os chiqueiros. Aprendeu cirurgia assistindo experiências com animais. Tornou-se um cirurgião excepcional, a tal ponto que Barnard requisitou-o para sua equipe.

Era uma quebra das leis sul-africanas. Naki, negro, não podia operar pacientes, nem tocar no sangue de brancos. Contudo, o hospital abriu uma exceção para ele.

Virou um cirurgião, mas clandestino. Era o melhor, dava aulas aos estudantes brancos, entretanto, ganhava salário de técnico de laboratório, o máximo que o hospital podia pagar a um negro. Vivia num barraco sem luz elétrica nem água corrente, num gueto da periferia.

Hamilton Naki ensinou cirurgia durante 40 anos e aposentou-se com uma pensão de jardineiro, de 275 dólares por mês. Depois que o apartheid acabou, ganhou uma condecoração e um diploma de médico honoris causa. Nunca reclamou das injustiças que sofreu a vida toda.

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